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domingo, 31 de janeiro de 2016

As Travessuras de Tonhola - Jogo de Futebol de Pilhas

Tonhola gostava muito de futebol. Os colegas da vizinhança, mais velhos, ensinaram-lhe um jogo de futebol onde os jogadores eram pilhas fora de uso.

Um brinquedo simples e barato que os meninos organizavam até campeonatos. Os pais adoravam porque a molecada passava horas na sombra das árvores se divertindo no quintal e eles na época não sabiam que se tratava de um brinquedo perigoso nas mãos dos meninos.

Qualquer espaço de terreno plano servia para se demarcar com cinza bem clarinha, tirada da fornalha de ferver roupas, o campo de futebol com tudo que tem de direito: as áreas grandes e pequenas, a marca do pênalti, o meio de campo, os quarto de luas dos cantos para se bater os escanteios e até os bancos de reservas; só a preparação do campo de futebol já tomava um tempão dos meninos.

Os jogadores eram pilhas grandes descartadas, que nada mais eram que as baterias que alimentavam os rádios e lanternas que muito se usava na época. Ainda são usadas hoje, mas em muito menor escala, as opções se diversificaram e as baterias se modernizaram. Não havia a preocupação que hoje se espalha pelos cantos do mundo com a preservação do meio ambiente e também eles não sabiam que as pilhas eram um lixo tóxico perigoso, nem eles e nem mesmo seus pais. Eles só queriam brincar de fazer seus gols. Quando uma pilha "melava" ela era imediatamente "chapeada" no matagal mais próximo e pronto, estavam livres do problema.

As pilhas eram as amarelinhas rayovac, as azuis national e as pretinhas metalizadas evered; a national vermelha era coisa rara.

Os jogadores eram dispostos dentro do campo de futebol, um espaço de aproximadamente um metro e meio de largura por dois metros de comprimento, nas mesmas posições de um jogo de verdade: o goleiro, que tinha por obrigação ser de uma pilha de cor diferente das outras dez, os dois laterais, os dois zagueiros, o volante, os dois ponteiros, naquela época não se jogava sem ponteiros, o centroavante matador e os dois armadores, os craques do time que eram geralmente os camisas oito e dez, completam os onze jogadores; a numeração das pilhas era rigorosamente seguida do número um ao onze.

A bola era branca de plástico, a mesma de jogar ping-pong.

O gol era feito de madeira, geralmente roliça e fina, um pouco mais fina que um cabo de vassoura, e a rede, daquelas amarelas de se colocar verduras nas feiras livres, muito bem disposta e esticada, mas de modo a balançar quando a bola a atingia no momento máximo do jogo.

Por isso, um esporte simples, a criançada passava horas se divertindo.

Um dos momentos preferidos por todos era o de bater faltas com barreiras. Alguns desenvolveram a técnica de bater na bolinha com a pilha de modo a fazer curvas passando por sobre a barreira buscando o ângulo superior. Quando a bola balançava a rede dessa forma, era o máximo, gol olímpico então, nem se fala. Os garotos que estavam de fora assistindo gritavam e batiam palmas.

A duração das partidas geralmente era acertada entre os participantes e dependia diretamente da quantidade de jogadores que ficariam do lado de fora aguardando a sua vez de jogar.

Tonhola era o que os garotos chamavam de um verdadeiro perna de pau. O moleque não aprendia jogar direito e vivia fazendo faltas bobas batendo com a pilha que ele manuseava nos jogadores adversários, o que não podia. Jogos em sua casa eram motivo de apreensão para Dona Rica, o que nas outras casas era descanso para os pais, ali não, por causa do estopim curto do neto. Ela ficava sempre de orelha em pé quando era a vez do neto jogar, ela sabia que por ele ser um dos piores jogadores entre a garotada, era o mais criticado por todos e isso o irritava e lhe dava os motivos para sempre arrumar confusão e querer resolver sua situação pelas vias dos fatos. Não foi uma nem duas vezes que Dona Rica tirou o neto de apanhar feio dos garotos, era um dos menores da turma e queria compensar isso sendo um dos mais encrenqueiros.

As regras do jogo eram as mais simples: a saída era feita com a bola no meio do campo com o menino que fora sorteado para dar a partida segurando a pilha, ou seja, um dos jogadores, na mão e batendo na bolinha dando o passe para os demais jogadores, a bola rolava, ele colocava aquele jogador numa posição estratégica e pegava o outro, que recebera o passe; se a bola batesse na pilha do jogador adversário, esse entrava imediatamente em ação e a bola mudava de lado, por isso o campo de jogo deveria ser totalmente nivelado para a bolinha não escorrer e sair das quatro linhas; o lateral era batido como se fosse um chute; muito das regras eram adaptadas do futebol de botão; quando o jogador tinha o jogo nas mãos, o adversário podia segurar seu goleiro se posicionando conforme as táticas do adversário, se uma bolinha marota escorregasse rumo ao gol ele podia pegá-la tocando somente a pilha do goleiro na bola e lançar aos seus jogadores ao ataque, sempre com a pilha tocando a bolinha, se a bola batesse não mão do oponente era falta e se batesse na mão do goleiro era falta máxima, pênalti, somente as pilhas podia tocar a bolinha; também as regras podiam ser mudadas pelos próprios jogadores durante as partidas, menos quando se tratava de campeonatos onde tudo era organizado e definido anteriormente de comum acordo entre os participantes; até a tabela dos jogos era definida e as datas rigorosamente cumpridas, quem não comparecesse, dablo ó, eles nem sabiam o que significava aquilo, mas já adotavam a expressão e também o time faltante perdia o direito de algum privilégio, como o direito de iniciar as partidas com seu mando de campo. Brigas e discussões sempre havia, comum em todo tipo de jogo. Quando os ânimos mais se exaltavam, as mães vinham correndo ver a gritaria, todos se acalmavam e o jogo seguia seu curso, na maioria das vezes. Quando saia um gol a comemoração era grande por todos, a gozação a mesma de todo jogo, os jogadores eram novamente dispostos em sua posição e era dada a saída na bola novamente.

O futebol de pilhas fez parte de um bom tempo em suas vidas de meninos a caminho da adolescência, até que as meninas começaram a criticá-los, pois ficavam tão viciados nos campeonatos que deixavam de brincar com elas. Com a idade avançando, eles passavam a sentir vergonha daquele jogo, era coisa de criança, e aos poucos foram abandonando, substituindo-o por outros tipos de brinquedos.

Hoje não existe mais esse tipo de brinquedo, e nem poderia. Pilha é coisa descartável a qual deve ser dado um destino rápido assim que elas acabarem a validade, de preferência nos pontos de coleta seletiva e principalmente fora do alcance das crianças.

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