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domingo, 31 de janeiro de 2016

As Travessuras de Tonhola - Jogo de Futebol de Pilhas

Tonhola gostava muito de futebol. Os colegas da vizinhança, mais velhos, ensinaram-lhe um jogo de futebol onde os jogadores eram pilhas fora de uso.

Um brinquedo simples e barato que os meninos organizavam até campeonatos. Os pais adoravam porque a molecada passava horas na sombra das árvores se divertindo no quintal e eles na época não sabiam que se tratava de um brinquedo perigoso nas mãos dos meninos.

Qualquer espaço de terreno plano servia para se demarcar com cinza bem clarinha, tirada da fornalha de ferver roupas, o campo de futebol com tudo que tem de direito: as áreas grandes e pequenas, a marca do pênalti, o meio de campo, os quarto de luas dos cantos para se bater os escanteios e até os bancos de reservas; só a preparação do campo de futebol já tomava um tempão dos meninos.

Os jogadores eram pilhas grandes descartadas, que nada mais eram que as baterias que alimentavam os rádios e lanternas que muito se usava na época. Ainda são usadas hoje, mas em muito menor escala, as opções se diversificaram e as baterias se modernizaram. Não havia a preocupação que hoje se espalha pelos cantos do mundo com a preservação do meio ambiente e também eles não sabiam que as pilhas eram um lixo tóxico perigoso, nem eles e nem mesmo seus pais. Eles só queriam brincar de fazer seus gols. Quando uma pilha "melava" ela era imediatamente "chapeada" no matagal mais próximo e pronto, estavam livres do problema.

As pilhas eram as amarelinhas rayovac, as azuis national e as pretinhas metalizadas evered; a national vermelha era coisa rara.

Os jogadores eram dispostos dentro do campo de futebol, um espaço de aproximadamente um metro e meio de largura por dois metros de comprimento, nas mesmas posições de um jogo de verdade: o goleiro, que tinha por obrigação ser de uma pilha de cor diferente das outras dez, os dois laterais, os dois zagueiros, o volante, os dois ponteiros, naquela época não se jogava sem ponteiros, o centroavante matador e os dois armadores, os craques do time que eram geralmente os camisas oito e dez, completam os onze jogadores; a numeração das pilhas era rigorosamente seguida do número um ao onze.

A bola era branca de plástico, a mesma de jogar ping-pong.

O gol era feito de madeira, geralmente roliça e fina, um pouco mais fina que um cabo de vassoura, e a rede, daquelas amarelas de se colocar verduras nas feiras livres, muito bem disposta e esticada, mas de modo a balançar quando a bola a atingia no momento máximo do jogo.

Por isso, um esporte simples, a criançada passava horas se divertindo.

Um dos momentos preferidos por todos era o de bater faltas com barreiras. Alguns desenvolveram a técnica de bater na bolinha com a pilha de modo a fazer curvas passando por sobre a barreira buscando o ângulo superior. Quando a bola balançava a rede dessa forma, era o máximo, gol olímpico então, nem se fala. Os garotos que estavam de fora assistindo gritavam e batiam palmas.

A duração das partidas geralmente era acertada entre os participantes e dependia diretamente da quantidade de jogadores que ficariam do lado de fora aguardando a sua vez de jogar.

Tonhola era o que os garotos chamavam de um verdadeiro perna de pau. O moleque não aprendia jogar direito e vivia fazendo faltas bobas batendo com a pilha que ele manuseava nos jogadores adversários, o que não podia. Jogos em sua casa eram motivo de apreensão para Dona Rica, o que nas outras casas era descanso para os pais, ali não, por causa do estopim curto do neto. Ela ficava sempre de orelha em pé quando era a vez do neto jogar, ela sabia que por ele ser um dos piores jogadores entre a garotada, era o mais criticado por todos e isso o irritava e lhe dava os motivos para sempre arrumar confusão e querer resolver sua situação pelas vias dos fatos. Não foi uma nem duas vezes que Dona Rica tirou o neto de apanhar feio dos garotos, era um dos menores da turma e queria compensar isso sendo um dos mais encrenqueiros.

As regras do jogo eram as mais simples: a saída era feita com a bola no meio do campo com o menino que fora sorteado para dar a partida segurando a pilha, ou seja, um dos jogadores, na mão e batendo na bolinha dando o passe para os demais jogadores, a bola rolava, ele colocava aquele jogador numa posição estratégica e pegava o outro, que recebera o passe; se a bola batesse na pilha do jogador adversário, esse entrava imediatamente em ação e a bola mudava de lado, por isso o campo de jogo deveria ser totalmente nivelado para a bolinha não escorrer e sair das quatro linhas; o lateral era batido como se fosse um chute; muito das regras eram adaptadas do futebol de botão; quando o jogador tinha o jogo nas mãos, o adversário podia segurar seu goleiro se posicionando conforme as táticas do adversário, se uma bolinha marota escorregasse rumo ao gol ele podia pegá-la tocando somente a pilha do goleiro na bola e lançar aos seus jogadores ao ataque, sempre com a pilha tocando a bolinha, se a bola batesse não mão do oponente era falta e se batesse na mão do goleiro era falta máxima, pênalti, somente as pilhas podia tocar a bolinha; também as regras podiam ser mudadas pelos próprios jogadores durante as partidas, menos quando se tratava de campeonatos onde tudo era organizado e definido anteriormente de comum acordo entre os participantes; até a tabela dos jogos era definida e as datas rigorosamente cumpridas, quem não comparecesse, dablo ó, eles nem sabiam o que significava aquilo, mas já adotavam a expressão e também o time faltante perdia o direito de algum privilégio, como o direito de iniciar as partidas com seu mando de campo. Brigas e discussões sempre havia, comum em todo tipo de jogo. Quando os ânimos mais se exaltavam, as mães vinham correndo ver a gritaria, todos se acalmavam e o jogo seguia seu curso, na maioria das vezes. Quando saia um gol a comemoração era grande por todos, a gozação a mesma de todo jogo, os jogadores eram novamente dispostos em sua posição e era dada a saída na bola novamente.

O futebol de pilhas fez parte de um bom tempo em suas vidas de meninos a caminho da adolescência, até que as meninas começaram a criticá-los, pois ficavam tão viciados nos campeonatos que deixavam de brincar com elas. Com a idade avançando, eles passavam a sentir vergonha daquele jogo, era coisa de criança, e aos poucos foram abandonando, substituindo-o por outros tipos de brinquedos.

Hoje não existe mais esse tipo de brinquedo, e nem poderia. Pilha é coisa descartável a qual deve ser dado um destino rápido assim que elas acabarem a validade, de preferência nos pontos de coleta seletiva e principalmente fora do alcance das crianças.

sábado, 30 de janeiro de 2016

As Travessuras de Tonhola - A Bicicleta Nova

− Que gritaria é essa? Veio correndo lá de dentro a coitada da Dona Rica, que deixou as panelas no fogo e saiu apavorada com o chororô do neto que entrou às pressas chorando.

− Mas o quê que é isso? Você está todo machucado, se esfolou todo, veja só essa perna e as costas, deixe-me ver. Pelo amor de Deus. O que foi isso menino? Você quer matar a sua avó do coração. Sua camisa está toda rasgada e ensanguentada. O que você andou fazendo? Vai tirando essa roupa e direto para o chuveiro que vou lá ver o que posso fazer. Nesse instante veio entrando na casa uma vizinha que assistiu o tombo.

− Pois é, Dona Rica, eu vi o que aconteceu. Eles estavam correndo de bicicleta, descendo a curva lá do boteco, bem que eu avisei que aquilo era perigoso. Ia um, depois outro, e passava a bicicleta para o outro. O filho de Dona Zefa também caiu antes dele, mas foi um tombinho menor e ele só arranhou o joelho; o Tonhola até que desceu várias vezes, mas, ele foi fazer graça e passou o corpo por cima da bicicleta e deu nisso aí, apontando para o menino com o dedo indicador. A senhora precisa ver só o estado que a bicicleta ficou.

− Minha nossa! Ainda mais essa. Além de se escafolar todo ainda estraga a bicicleta dos outros. Onde está seu juízo menino? No momento em que ela não aguentou e deu um tapa na testa do menino que ainda chorava.

− Ai, ai, está doendo, vó, não passe a mão aí não.

− Como não, seu moleque safado, tem que limpar isso, parece que tem até pedaço de asfalto em suas costas. Preciso limpar isso direito e colocar mertiolate. Fique embaixo do chuveiro.

− Ah não, mertiolate não. Disse o moleque chorando. − Vai doer muito.

− Vai doer sim, vai doer, mas pode ter certeza que vai doer muito menos do que você merece seu moleque danado, muito menos do que a tunda que eu devia lhe dar por ter estragado a bicicleta nova do vizinho, onde já se viu, ele acabou de ganhar a bicicleta do tio rico de aniversário, e agora, como pagar o conserto?

− Vai com calma Dona Rica. Disse a enxerida da vizinha, que parecia estar se divertindo com a cena. Ela não gostava do Tonhola mesmo e fora lá somente para por mais lenha na fogueira

− Ora! E você já deu o seu recado e pode ir dando o fora, deixe que com ele eu me entendo. Diga lá fora que depois que eu cuidar desse aqui, vou ter com o dono da bicicleta. Esses moleques safados. Que sina a minha.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

As Travessuras de Tonhola - Bolachas Maria

Naquele dia Dona Rica não conseguira ninguém para ficar fazendo companhia ao neto. Ela não sabia ao certo quanto tempo iria demorar, pois o assunto que estava enrolando a tanto tempo, envolvia repartição pública. O certo é que ela não poderia mais deixar passar pois o tempo previsto, desde que ela recebera a notificação para comparecer com sua documentação na repartição, estava chegando ao fim e para o resto da semana ela tinha outros afazeres, portanto aquela era a data. Assim, sem poder levar o moleque e sem ter com quem deixar, chamou o neto antes de sair, que ainda meio dormindo, disse que tinha entendido e que ia ficar em casa sem aprontar, prometera. Depois de inúmeras recomendações ela foi cumprir seu dever cívico toda preocupada. Ela não gostava nenhum pouco de deixar o neto sozinho, era motivos demais para preocupação. Mas foi com sua sombrinha colorida e a bolsa de couro para momentos como esse, pois nela cabia todos os seus documentos e ainda alguns remédios que não ficava sem, desde que passou por maus bocados, mas isso é assunto para outro episódio que veremos mais adiante.

Estando sozinho em casa, o moleque mal esperou a avó sair e já se levantou imaginando o que ia fazer. Foi até o alpendre, mas o tempo estava fechado, com sinais de chuva e ele não teve ânimo para sair de casa, também não viu nenhum colega na rua para incentivá-lo, voltou, fechou a porta da sala, ligou a televisão e ficou por ali assistindo aos desenhos animados que passavam todos os dias na parte da manhã. Não comeu nada, nem sequer abriu a geladeira e nem tampouco foi ao banheiro fazer as necessidades de quando se levanta, abriu a porta da área e de frente para o quintal fez xixi na beira da calçada e voltou para a televisão. Logo a fome começou a apertar e nada de sinal da avó chegar. Ele não se aguentou e foi procurar o que comer. Viu sobre a prateleira da cozinha ao lado da geladeira uma lata de bolachas que sua avó comprara. Era uma lata de bolachas de maizena de um formato chato e quadrado e estava escrito Bolachas Maria. Era ali mesmo. O moleque subiu na mesa, pegou a lata e foi para a sala. Comeu quase a lata toda de bolachas enquanto assistia os desenhos e nada da avó voltar. Lá pela volta do dia, ele já não aguentava nem ver as bolachas. E para piorar as coisas sua avó demorou bem mais do que esperava e só foi chegar depois do horário previsto para o almoço. Chegou toda esbaforida e das mais preocupadas com o neto e também com a respiração curta por ter andado rápido sob o mormaço quente que não virou chuva. Ao ver o moleque até besta esparramado no sofá com bolachas por todo lado, levou um susto. Pegou a lata com o pouco que sobrou, tampou e guardou no lugar no alto da prateleira. Viu que Tonhola tinha comido quase tudo e que poderia passar mal. − Bem feito seu malandrinho, um pouco só que eu demorei e você não poderia ter me esperado, num minuto o almoço fica pronto, mas não, tinha que comer minhas bolachas todas da semana, agora não terá mais lanche. O menino nem ouvia o que a avó estava esbravejando, aliás, ele estava até com os olhos virados de tão cheio que ficara. Aquele gosto na boca o acompanharia por muitos anos. Bolachas Maria, nunca mais!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

As Travessuras de Tonhola - Garotas

Levado pelos colegas da escola, Tonhola desrespeitou as recomendações de sua avó e se desviou do caminho de volta para casa depois do final da aula. Próximo ao bairro ficava o prostíbulo, zona do meretrício. Nessa região, as casas tinham luzes coloridas para indicar o caminho aos clientes durante a noite. Numa das casas, que era de esquina e tinha na frente um bar imundo, algumas moças estavam tomando sol em trajes de banho num piso cimentado que ficava no quintal. O muro de placa pre-fabricada de concreto, não era muito alto e para ajudar a molecada, um monte da areia fora depositado sobre o passeio que ainda não era pavimentado, facilitando ainda mais aos meninos menores para subir no monte e conseguir ver além do muro. Tonhola estava assustado, mas os colegas o convenceram a ir e estando lá, no topo do monte de areia, conseguiu ver de relance algumas moças com roupas mínimas a cobrir o corpo; olhou muito rapidamente mas naquela idade o corpo lhe tremia feito vara verde, os meninos mais velhos riam e pediam para fazer silêncio para que as moças não percebessem, quando um senhor, vendedor de picolé, que estava passando com seu carrinho, viu aqueles moleques atentados e ralhou com eles para que fossem para casa que aquilo não era coisa de menino, resmungaram qualquer coisa desrespeitando o picolezeiro e deram mais alguma olhada nas moças; só que elas ouviram a bronca e se soltaram todas para se mostrarem aos tarados moleques. Quando Tonhola subiu novamente no monte para mais uma rápida olhadela, uma delas tirou a parte de cima do biquíni e deixou os seus pequenos seios à mostra, para delírio da molecada; que visão inesquecível para o nosso amigo, eram os primeiros peitinhos que ela via; percebendo a algazarra, um senhor gordo, provavelmente o dono do bar, saiu com o avental na cintura esbravejando em direção aos moleques que saíram em disparada rua abaixo. Tonhola aprendeu o caminho.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

As Travessuras de Tonhola - Alguns dias na Fazenda

Daquela vez Dona Rica foi junto com o Tonhola num passeio durante um feriado prolongado na fazenda de uns amigos. Foram bem cedinho, ainda de madrugada, os primeiros raios de sol tentavam se manifestar no horizonte, num daqueles amanheceres amarelo alaranjados que inspiram os poetas. O percurso seria feito de ônibus e teriam que caminhar algumas quadras até o ponto. Tonhola nem dormira direito aquela noite, tamanha a expectativa pela viagem. Alguns anos antes, Dona Rica fora a passeio na mesma fazenda, bem antes de Tonhola nascer. O casal de amigos, já idosos, não tinha nenhum dos filhos morando com eles na fazenda, todos já eram adultos e trabalhavam na cidade; naquele final de semana eles estariam sozinhos, por isso fizeram o convite para a velha amiga; é claro que pode levar o neto, será um prazer uma criança ativa para alegrar a casa, foi a recomendação da amiga.

Era uma fazenda antiga, com tudo que uma fazenda tem de direito. Mal chegaram e Tonhola saiu em disparada para conhecer o lugar, os cachorros, três, todos adultos, sendo dois grandes e um pequeno, o recepcionaram, juntamente com o fazendeiro; logo todos já ficaram amigos, algumas crianças têm facilidade em se relacionar já na primeira vez com os animais de estimação. Começou o passeio pelo curral de madeira lascada, com várias repartições para separar o gado; tronco para vacinação dos animais, ligado ao embarcadouro da mesma madeira, mas cheio de terra e com o calçamento interno feito com pedras tapiocangas formando a rampa para o embarque; uma parte do curral também era calçada com o mesmo tipo de pavimento, onde ficavam as vacas de leite para a ordenha; uma parte coberta com algumas prateleiras onde ficavam os latões de metal e também de plástico para armazenar o leite a ser transportado. Tonhola fez questão de percorrer todas as repartições do curral, se divertindo com o chiar das porteiras velhas de madeira que ele abria e fechava. O curral ficava ligado à velha casa. Era uma casa típica com seus mourões de madeira se destacando sobre o emboço rústico com pintura a cal na cor azul já bem desbotado, mas ainda dava para ver as marcas da brocha no grosso da pintura que ainda insistia em permanecer ali; as janelas eram todas de madeira e enormes, muito altas com os batentes grossos se sobressaindo sobre o emboço, tanto para as janelas como para as portas e eram pintadas com um tipo de verniz sem brilho, ou desbotado, de cor escura tipo imbuia.

No quintal, um pomar bem formado com muitos tipos de árvores frutíferas, onde um pé de jaca totalmente carregado de frutos de todo tamanho se destacava entre os demais e uma variada espécie de frangos, galos, galinhas, pintinhos, angolas, marrecos e até um pavão, todo imponente, ciscavam por entre as plantas.

Nos fundos um mangueiro com muitos porcos caipiras se chafurdando na lama; o cercado dos porcos era feito com tábuas rústicas de madeira também lascada, dispostas lado a lado semi-enterradas no terreno em todo o contorno do mangueiro, podia-se ver muitas palhas de milho seco esparramadas, algumas ainda limpas que os porcos deviam ter acabado de comer. Tonhola era só felicidade.

Depois de explorar todo o entorno da sede, ouviu os gritos da avó o chamando na varanda da casa. A varanda era em forma de éle, sendo mais larga a parte que ficava nos fundos, de frente para o pomar; ali também que ficava o fogão a lenha e uma enorme mesa de madeira, que mais tarde ouviram, era um orgulho do fazendeiro porque ele ajudou a derrubar a árvore que deu aquela mesa, um tronco só, de sucupira preta, tão larga que Tonhola tinha que abrir os braços para segurá-la nas extremidades frontais com as duas mãos e na espessura era da grossura do punho fechado do menino; as pernas da mesa eram quadradas e grossas e umas vigas em xis davam o travamento garantindo a estabilidade da estimada e útil mesa de fazenda; já as cadeiras, eram de vários tipos e a maioria comprada em lojas, algumas até com estofamento estragado, dando a impressão de serem móveis da cidade que ficaram velhos e foram levados para a fazenda, contrastando com a beleza da mesa rústica.

Passados os minutos de admiração, era hora do lanche, e que lanche: broa de milho, bolo de fubá, pão de queijo, geléia caipira de marmelo, chá de canela e leite quente adocicado com açúcar queimado, que delícia; como saíram de madrugada, sem se alimentar direito, aquele café era, com certeza, muito bem vindo por nosso amigo. Enquanto Tonhola se fartava à mesa, Dona Rica, também beliscava alguma iguaria tomando café em uma xícara de alumínio esmaltado branco, já com as beiradas lascadas pelo uso e com uma estampa de um bezerro malhado em preto e branco. A amiga, não se sentou à mesa, ela continuou sua lida, já se preparando para iniciar o almoço, uma lenha a mais no fogão, uma água na panela de ferro maior para começar a ferver, uma batida no feijão na peneira que aparentava já ter sido catado. Uns nacos de carne seca, pendurados no madeiramento esfumaçado da cobertura sobre o fogão, foram retirados e levados ao tanque para serem lavados e separados numa bacia de alumínio muito bem areada, certamente seria a mistura do almoço.

O fazendeiro estava demorando. A esposa disse que ele tinha ido ver uma cerca que o gado estava passando, mas que já devia estar voltando, era já quase hora do almoço.

Tonhola perguntou pela televisão, ali não tinha televisão, só quando os netos vinham é que eles traziam, perguntados por que eles não deixavam a televisão na fazenda, a senhora disse que o marido é que não queria, para não pegar os maus costumes da cidade e assim ela também se acostumara e não sentia falta. As noites, em sua maioria, que ficavam somente os dois na fazenda, algumas vezes eles tinham a companhia de empregados da fazenda que moravam em suas casas que ficavam um pouco afastadas, um deles tinha até dois meninos da idade de Tonhola, já precisando ir para a escola. As noites que não recebiam visitas ficavam sentados na varanda, nas duas cadeiras de balanço, conversando abobrinhas e observando o horizonte imaginando os mundos que não haviam atrás dos montes. Também, eles dormiam muito cedo, junto com as galinhas.

Tonhola ficava atento a tudo que a senhora falava, ele estava fascinado com o jeito sossegado dela falar com aquela voz manhosa que se arrastava.

Com a chegada do marido, almoçaram. Após o almoço, nosso herói, cansado por ter acordado de madrugada, dormiu na cama com colchão barulhento de mola no quarto dos netos com aquelas enormes janelas de madeira.

Acordou ouvindo o fazendeiro chegando a cavalo, ficou chateado com a sensação de que perdera alguma coisa, pensou que talvez pudesse ir também a cavalo em companhia, mas não fora daquela vez, foi lá ver o fazendeiro desarrear a montaria: um arreio muito antigo de couro, um pelego de lã vermelha, uma baldrana com grandes bolsos dos dois lados, mas que estavam vazios e a cabeçada, com rédea de lã trançada, o baixeiro era de um tecido grosso tipo lona e de uma cor esverdeada, que exalava um cheiro muito forte do suor do cavalo, mas que não era enjoativo; estando tudo no lugar, o fazendeiro o convidou para conduzir o cavalo pelo cabresto até o pasto; que alegria, se sentiu o poderoso; durante o percurso foi perguntado se já havia andado a cavalo, com a negativa, foi convidado a andar no outro dia de manhã; solto o animal, o menino saiu correndo todo feliz para contar a novidade para a avó.

Naquele primeiro dia na fazenda, a noite chegou mais devagar, uma colaboração da natureza para que eles pudessem admirar o esplendor dos tons de vermelho no por do sol entre as montanhas. Jantaram um belo de um frango caipira com caldinho que sua avó disse também ter ajudado a fazer; a sobremesa era um pote de doce de casca de laranja, mas Tonhola não quis, foi para a varanda acompanhar o fazendeiro; sentou num banco de madeira que era uma tábua da mesma madeira da mesa da cozinha, presa entre os pilares de sustentação da varanda; enquanto observava o fazendeiro, que não gostava de muita prosa, espichar as pernas sobre um banquinho pequeno de madeira e acender um cigarro de palha grosso e fedido; até que sua avó veio chamá-lo para ir se deitar, afinal ela também havia madrugado e estava cansada da viagem.

Naquela noite, junto com o casal de amigos, eles também foram dormir com as galinhas. Certamente Tonhola deve de ter sonhado com o passeio que o aguardava no outro dia.

Dormir cedo tem dessas vantagens, no outro dia ainda estava escuro e já se ouvia barulho pela casa, passos delicados pra lá e pra cá, berros vindos do curral, Tonhola se levantou apressado, não conseguiu abrir a pesada e grande janela de madeira, mas pelas frestas já dava para ver o bucólico clarear da manhã sertaneja, aquele cheirinho delicioso de café torrado tomando toda a casa vindo lá da cozinha. Lavou-se, sua avó já estava composta observando a amiga e com toda disposição: onde posso ajudar, o que fazer primeiro, água para as galinhas deixa que eu arrumo a mangueira, ela deve ter se soltado da torneira durante a noite, tire a vasilha com as quitandas, tem chocolate em pó na despensa, se o menino quiser, ele gosta de tomar leite no curral, nunca tomou, então ele vai gostar, peque aquele copo grande de alumínio, coloque o chocolate em pó do tanto que ele gostar e vá com ele até o curral que ainda estão tirando o leite, que bom, vamos lá Tonhola, mas sem fazer barulho para não assustar as vacas, se ajeitaram na beira da cerca, e o menino subiu na terceira tábua do curral para ver melhor o fazendeiro com seu chapéu de lebre bem surrado e suas botas de borracha branca agachado entre as vacas tirando o leite junto com um ajudante que também tirava o leite de outra vaca do outro lado, pediram para esperar um pouco porque já estavam terminando aquelas vacas e iam chamar a manhosa, uma vaca especial, para que bebessem o leite dela; o leite veio quente, espumando e Tonhola o bebeu quase que de um gole só, quer mais, dá cá o copo novamente, o chocolate ainda se mostrava no fundo do copo, tomou mais devagar o segundo copo de quase meio litro; sua avó não bebeu; aquilo sim era um verdadeiro café da manhã, agora era aguardar o final da retirada do leite e esperar eles soltarem as vacas para depois cavalgarem; foram para a varanda terminar o café, nesse prazo a amiga tinha feito uns bolinhos de polvilho fritos na manteiga, mesmo com o tanto de leite que bebera no curral, os bolinhos eram irresistíveis, o menino comeu alguns e foi para a varanda da frente da casa aguardar ansioso pelo passeio a cavalo.

Viu quando acabaram de retirar o leite, o vaqueiro dirigiu-lhe uma brincadeira qualquer de longe, que ele não entendeu direito, mas acenou com a mão em agradecimento mesmo assim, o fazendeiro veio em sua direção e ele o acompanhou adentrar a casa e se dirigir a uma sala na lateral onde trocou as botas e foi para a varanda tomar o café com as senhoras. O vaqueiro atendeu ao pedido do fazendeiro e trouxe os cavalos para a porta da casa, já arreados, um com um arreio para meninos que há tempos não era usado; os netos cresceram e não mais quiseram andar a cavalo.

Por ter sido a primeira vez, até que foi tudo bem, não deu nenhum trabalho, e olha que nosso amigo conseguiu acompanhar a volta matinal rotineira do fazendeiro por quase toda a fazenda. Um passeio inesquecível.

Tonhola não pensava em voltar à cidade. Todos os dias de manhã ele tomava leite no curral, acompanhava o fazendeiro na cavalgada matinal, almoçava como um príncipe, cochilava no período da tarde, ajudava a zelar da criação, adorava jogar milho para as galinhas: cut, cut, cut; as vezes ouviam rádio na varanda após o jantar, os quatro, enquanto relembravam fatos antigos, lembranças comuns que despertavam a imaginação do moleque, que atento, não perdia uma fala, até fazia perguntas curiosas provocando risos.

Mas era preciso voltar. Foram acompanhados no dia da volta, após o almoço, até a beira da estrada, onde debaixo de um frondoso pé de jatobá, aguardaram a chegada do ônibus que os levaria até a cidade. Convidados a voltar, Tonhola já queria deixar até marcado o dia, calma menino, não é bem assim, disse Dona Rica, satisfeita com o tranquilo descanso e também até que surpresa pelos dias sem preocupações maiores com o neto.

As Travessuras de Tonhola - O Início das Aulas

Chegou o início das aulas. Dona Rica estava mais apavorada até do que o moleque Tonhola. Deu banho, esfregou bem os pés, as unhas das mãos que estavam um horror, as orelhas e o cabelo. Vestiu uma camisa branca nova de tergal, calça curta de brim azul, meias brancas limpinhas e um sapato preto, de cadarço que ele ainda não sabia amarrar, vivia dando nó cego, para desespero de Dona Rica. Foram juntos para a escola, em todo o trajeto ela não soltou a mão do neto. Depois de muita luta, ela conseguira, com a ajuda do filho que trabalhava na prefeitura, uma vaga para o menino numa escola municipal próxima, ficava num outro bairro, mas não muito distante de casa, algumas quadras apenas; longe o bastante para não deixar o menino ir sozinho, pelo menos nos primeiros dias. Foram bem recebidos, na entrada da escola, uma atendente orientou em qual sala ele ficaria e qual seria a professora dele. Dona Rica o acompanhou até vê-lo sentado na carteira, ao lado dos colegas; a professora já estava à espera dos alunos quando eles chegaram e ela foi logo perguntando o nome do aluno e se ela seria a avó, apresentados, a professora disse que a avó poderia voltar para casa e ficar tranquila que ele ficaria bem e que as aulas terminariam tal hora, e ela poderia voltar para buscá-lo. Dona Rica ficou um pouco aliviada, mas não tanto como gostaria. Na turma também tinha alguns garotos mais velhos que a deixaram preocupada, certamente ela via ali sinal de problemas futuros.

Alguns dos alunos já eram conhecidos da professora do ano anterior, dava para perceber isso pela dura que ela já dava na meninada chamando-os pelo nome. Para nosso amiguinho, que ficou atento o tempo todo, a primeira aula foi dia de reconhecimento do terreno. Ele coçou a língua de vontade de perguntar algumas coisas à professora, mas se conteve, não faltarão oportunidades. Aguardem.

As Travessuras de Tonhola - Estrago na Torta

A avó de Tonhola era famosa na região por ser boa quitandeira. Fazia umas tortas e doces, sempre que podia, por encomenda, para ajudar nas despesas. A pamonha de milho verde já era famosa e fazia a festa da vizinhança, como vimos anteriormente e ainda veremos por ser uma iguaria que merece um capítulo à parte. Ela sabia fazer uma torta que levava doce de pêssego em calda. Uma vizinha candidata a noiva, sabendo das prendas de Dona Rica, encomendou-lhe uma daquelas tortas com cobertura de chocolate branco e decorada com pedaços de doce de pêssego. Era para agradar o namorado num possível pedido de noivado. Combinada a encomenda, foram separados os ingredientes e a torta foi feita com carinho especial, a receita pedia que ela dormisse na geladeira para ser saboreada somente no outro dia. Tonhola estava por ali brincando com os vizinhos como sempre e não prestou atenção no motivo da torta e sua avó distraída e satisfeita como um artista quando prepara sua obra prima, não pensou em avisar o neto para não bulir com aquela torta. Concluído o trabalho, levou a bandeja no congelador e deu o trabalho por concluído, no outro dia, era só entregar à vizinha. De manhã, Dona Rica foi conferir e achou que a torta estava uma maravilha; tudo conforme pedia o figurino, cremosa e meio que congelada; deu uma leve ajeitadinha nos pêssegos e levou-a de volta à geladeira, dessa vez na parte baixa, fora do congelador. A moça foi conferir a gostosura por volta do meio dia e ficou encantada, como era de se esperar, disse que queria fazer surpresa, pediu a Dona Rica que cuidasse dela até o anoitecer, pouco antes da hora marcada para o noivo chegar, ela buscaria a torta, queria fazer surpresa também para os seus pais e não somente ao noivo; sem problemas, disse-lhe Dona Rica, pode ficar tranquila e assim que você quiser pode vir buscar. Triste sina dessa pobre avó. Ela não contava com a fome vespertina de seu neto e os coleguinhas que brincavam no quintal. Apesar do lanche de pão com manteiga que ela havia deixado sobre a mesa da área de serviço preparado para os meninos com uma jarra de suco de uva de saquinho; aquele lanche lhes era familiar, a torta não, quando Tonhola viu aquela beleza de torta na geladeira, nem quis saber, foi nos copos americanos mesmo, pegou um para cada menino, eram três, serviu a torta com colher de sopa, sujando a geladeira com a calda e lá se foi a metade da torta. Que doideira. Dona Rica quando viu ficou apavorada e maluca de raiva com o neto e consigo mesma que se descuidara um pouquinho só e fizeram aquele estrago. Não tinha o que fazer, tudo fora para o brejo. Adeus noivado pensou consigo, e tudo por culpa sua. Em seu nervosismo decidiu que não mais faria tortas por encomenda.

As Travessuras de Tonhola - Separando a Tela

O terreno em que Dona Rica morava era estreito e comprido. A casa ficava na parte da frente próxima à rua e o que sobrava para os fundos dava um excelente quintal. Ali se plantou milho e mandioca por quase todos os anos. Tonhola adorava quando a vizinhança se reunia debaixo da sombra das mangueiras para fazer pamonha, deliciosa iguaria de milho verde, em tachos à lenha. Todos trabalhavam, até as crianças menores ajudavam a arrancar os cabelos dourados das espigas de milho; no final, depois de algumas horas de muitas risadas e conversa fiada, todos comiam aquela massa deliciosa e quentinha, que podia ser de sal ou de doce, saída da fornalha à lenha onde a pamonha era cozida na própria palha do milho, amarrados no meio formando uma cinturinha, ou amarrados tipo uma trouxinha. Era uma verdadeira festa.

Certa vez, o filho de uma vizinha de Dona Rica, muito querida por ela e amiga de muitos anos, veio lhe pedir se ela o permitiria utilizar parte do seu quintal para criar umas galinhas caipiras da hora que estavam sendo muito divulgadas na praça. Na linguagem dele, era dinheiro certo no bolso, e é claro, que se ela permitisse, também receberia sua parte pela sessão do terreno. Sem pensar no retorno financeiro e muito mais pela consideração que Dona Rica tinha pela mãe do rapaz, ela concordou, mas, com a recomendação de que as galinhas fossem separadas por uma tela de modo a não danificar as plantas que ela cuidava no quintal. E assim foi feito. O rapaz providenciou a cerca de modo a praticamente dividir em dois o terreno que já era todo murado nas laterais; numa parte ficava a casa com a maioria das plantas e na outra o galinheiro. Por se tratar de galinhas caipiras, elas eram criadas soltas mesmo e o poleiro eram os galhos das árvores, mangueiras, goiabeiras, um pé de ameixa que nunca dava frutos, um pé de abacate que era o menos usado pela altura da galhada e um tronco grosso deitado de uma enorme mangueira que fora cortada há alguns anos; o trato era com milho puro e o capim que já existia no terreno, tipo grama derruba-velho. A quantidade de galinhas foi aumentando semana a semana. Tonhola gostava de ficar olhando as penosas e também dava sua mãozinha de bom grado na hora do trato.

A tela do galinheiro fora muito bem feita e esticada presa a mourões de concreto espaçados de forma a não permitir que tombasse com o seu próprio peso. Um belo dia, Tonhola jogava biloca com dois amigos quando uma das bolas de gude foi parar num buraco pequeno no pé da tela do galinheiro. Ao tentar apanhar a bola com a mão, Tonhola percebeu que o arame que formava a tela estava solto em sua parte inferior e aquilo o intrigou; ele puxou o arame com mais força e ele se desprendeu do outro dando quase que uma meia-volta, como a tela estava muito bem esticada, quando o arame se desprendeu a tela meio que começou a se abrir aumentando mais ainda a curiosidade do menino que já havia chamado os outros dois colegas para ver o que ele acabara de descobrir: segure aqui que eu vou tentar dar uma volta nessa perna do arame daqui e pronto, se soltou, vamos dar outra volta no arame; e assim foi volta a volta no elo da tela até que eles conseguiram partir a tela ao meio em duas partes, um pedaço caiu para cada lado; as galinhas passaram pelo vão aberto e foram direto para as plantas de Dona Rica; "corre lá e feche o portão", gritou um deles.

As Travessuras de Tonhola - Queda do Telhado

Dona Rica tinha em seu quintal uma pequena criação de galinhas. O galinheiro fora muito bem feito por seu filho e um amigo carpinteiro que deram duro num sábado inteiro. Tonhola ajudava a avó na criação das penosas: jogava milho, colocava água no pneu velho recortado que servia de bebedouro, recolhia os ovos, chô , chô, limpava o piso e ele até que se divertia com aquelas simples tarefas. O que ele menos gostava era de limpar o esterco da galinhada, mas, fora isso, até que ele era um bom menino na lida com as criações domésticas.

Certo dia ele brincava de se esconder com alguns amigos. Brincadeira divertida que a criançada adorava. Numa das vezes em que ele fora se esconder, quis dar uma de esperto, como sempre, e tapear o restante da molecada. Inventou de subir no telhado do galinheiro e se esconder num pé de romã que ficava ao lado do muro, divisa com a casa do vizinho. Com o auxilio de um toco de madeira apoiado na parede do galinheiro ele esperou o moleque da vez iniciar a contagem com os olhos vendados, para que os demais se escondessem e de um salto rápido subiu no telhado, começou a andar em cima das telhas para alcançar o pé de romã, não deu outra, as telhas frágeis de fibrocimento, não aguentaram o seu peso e ele se arriou sobre o poleiro das penosas. Teve muita sorte, caiu de pé, encavalado sobre um caibro de madeira, que servia de poleiro, com altura um pouco menor que as suas pernas, se ele fosse mais baixo teria arrebentado as partes, teve somente um arranhão no lado interno da coxa direita, menos mal, mas o susto foi tremendo e o barulho assustador; sem contar o prejuízo, com o tremendo barulho, a coitada da avó saiu correndo de dentro de casa apavorada para ver o ocorrido. Tonhola estava branco de susto, dois garotos o olhavam por cima do muro naquela embrulhada na qual se metera. Quando viram a avó se aproximando, os moleques deram no pé. Tonhola, muito assustado, quando deu por si de que não havia se machucado com maior gravidade, e já com as penas das galinhas se assentando, passado o alvoroço do susto, tratou de ir saindo logo dali para ver o tamanho do estrago que acabara de fazer. Fora do galinheiro e ainda com as pernas trêmulas ele só conseguia pensar no tamanho da bronca que o tio não lhe daria. Dona Rica, depois de visto o estrago e de se certificar que o moleque estava bem, teve vontade de arrancar-lhe as orelhas, mas, avó é avó e aliviada, mandou o moleque direto para o chuveiro.

As Travessuras de Tonhola - Casa do Tio

Algumas vezes o filho de Dona Rica insistira com ela para que deixasse Tonhola passar uns dias em sua casa com sua família. Mas ela sempre resistira, pois sabia muito bem o neto danado que tinha e achava que eles não o tolerariam por muito tempo. Ela temia que a situação ficasse pior do que já era. Até que um belo dia, ela, muito cansada, não hesitou e cedeu à insistência do filho, afinal, certamente far-lhe-ia bem ficar alguns dias sem as estripulias do neto.

Assim se fez. Tonhola já ficara algumas vezes na casa do tio quando menor, mas, com o crescimento do corpo, veio na mesma proporção, uma sensível piora no comportamento e por isso sua avó não o deixou mais ir. Naquele tempo, suas artes ainda eram consideradas gracinhas de criança.

O filho de Dona Rica, não era o que se pode chamar de bonzinho, além do mais, conhecia muito bem a pestinha com quem iria lidar, por isso, antes de levá-lo, preparou direitinho o espírito da esposa e dos filhos para receberem bem o sobrinho famoso nas peraltices. Por mais afastado que ele ficasse da casa da mãe ela sempre o mantinha informado sobre o comportamento do moleque.

Para Tonhola o passeio lhe causava certa expectativa positiva, afinal, a ideia de sair de casa lhe era agradável. Mas, naquele caso, havia um motivo a mais que embaralhava sua fértil imaginação que era o convívio com os dois primos mais velhos, chatos, mimados e que aprontaram com ele nas outras vezes. Isso sim, o preocupava. Era chegada a hora da vingança, pensava consigo, pois ainda trazia vivo na memória os cascudos e empurrões que lhe deram por serem maiores e mais fortes. Que nada, daquela vez seria tudo diferente, pensava consigo, afinal, ele havia crescido e apostava com qualquer um que aqueles dois almofadinhas, não teriam a coragem de aprontar com ele novamente.

O primeiro dia foi de apreensão, de reconhecimento do terreno. Tonhola estava assustado, pássaro fora do ninho. Com o passar do tempo foi se acostumando. Os primos estavam muito tranquilos para o seu gosto, pareciam até indiferentes com sua presença e aquilo estava começando a incomodá-lo. Pela manhã, os primos iam para a escola. Na período da tarde eram praticamente obrigados pela mãe a se dedicarem, quase que o tempo todo, às tarefas da escola. A mãe dos garotos era uma mulher muito dedicada, quando ela não estava cuidando da casa, estava na cozinha ou no quarto, debruçada sobre uma máquina de costura o tempo todo. Como se pode notar, até aqui, não foi muito divertida a estada de nosso amigo na casa de seu tio porque à noite ele chegava e era um respeito só, não brincavam e logo depois do jantar, um nada de televisão e já eram obrigados a ir para a cama.

Aquela situação durou poucos dias. Entediado, Tonhola tentou sorrateiramente sair da casa, ou melhor, começou a preparar o caminho para que o levassem de volta.

No mesmo dia, à noite, esperou que os primos deitassem, fingiu que estava dormindo e aguardou um pouco depois que as luzes foram apagadas, levantou-se, foi até o banheiro, apanhou o tubo de pasta de dentes, voltou ao quarto e esvaziou o tubo dentro do tênis do primo mais velho e foi dormir tranqüilamente. Ao amanhecer, o primo foi calçar o tênis para ir à escola e tomou o maior susto, ainda sem acordar direito, quando sentiu aquela meleca branca e fria em seu pé; foi um deus-nos-acuda, se não fosse a tia a segurar o filho ele certamente teria tomado a maior surra. Os primos estavam com o Tonhola pela altura do pescoço, era esperar para ver.

O primo mais novo era o mais gordinho e adorava deitar após o almoço e dar uma cochilada enquanto o outro grudava em frente da televisão. Aquilo iluminou mais uma maléfica idéia em nosso amigo. No outro dia, após os primos irem para a escola, Tonhola atrasou por demais seu café da manhã e enquanto sua tia arrumava as camas no quarto, ele esfarelou cuidadosamente um pedaço de pão, embrulhou num pedaço de papel de padaria e um pouco antes de os meninos chegarem foi até o quarto e esparramou as migalhas de pão duro sobre o lençol da cama do gordinho. Almoçou com os primos como todos os dias como se nada tivesse acontecido, foi para a sala ver televisão e ficou só escutando. O gordinho esperou o pai ir para o trabalho e foi para o quarto, tirou o uniforme, botou um calção largo e, sem camisa, todo preguiçoso, esparramou-se na cama. Foi mais uma confusão dos diabos, uma gritaria maluca, a mãe deixou seus afazeres e saiu correndo toda assustada ver o que era aquilo. A bagunça foi tanta que a tia, muito irada, depois de uma baita de uma repreensão no moleque, separou os filhos no quarto e resolveu trancar o sobrinho por várias horas no banheiro.

Com aquela mente astuta e preso, um longo tempo, num espaço reduzido, era tudo que o moleque precisava para programar a próxima empreitada. Sentado no vaso sanitário, com a mão sob o queixo e o olhar perdido no vazio percebeu na parede oposta, que na tábua do meio da prateleira, entre diversos objetos, havia um pote de vidro com algumas moedas, em sua maioria moedas antigas. Ele se levantou, apanhou o vidro, tirou as moedas e ficou brincando de jogá-las de uma mão para outra de frente para o espelho sobre a pia quando uma delas caiu e foi diretamente para o ralo da pia. Era uma moeda pequena e com o auxílio de um grampo de cabelo que estava na prateleira ele facilmente conseguiu tirar a moeda, ao mesmo tempo percebeu que entre as moedas maiores havia algumas que eram exatamente do tamanho do orifício do ralo e, portanto, mais difíceis de serem retiradas. Nivelou o ralo da pia com a louça da cuba com tantas moedas lá coube. Colocou as outras no pote de vidro e o pôs de volta na prateleira. Começou a rir sozinho em imaginar a ira do tio quando chegasse em casa e encontrasse o lavatório entupido de moedas. Algum tempo depois, a tia esperou os meninos se acalmarem e repetiu a eles as várias recomendações que havia prometido ao marido para a lida com o primo; os fez prometer que nada fariam de mal ao moleque; foi até o banheiro, bateu na porta, destrancou e tomou o sobrinho pelo braço e o fez ficar grudado na televisão junto com ela, que bordava uns panos ao seu lado e os primos no outro sofá, até o tio chegar do trabalho. A tia estranhou a tranquilidade que o sobrinho saiu do cativeiro imposto por ela, um pequeno sentimento de remorso tomou-lhe o peito, mas logo passou. Quando o tio chegou, como sempre fazia, foi logo para o banho, mas sem antes perceber que alguma coisa de errado tinha acontecido, mesmo sem falar nada com a esposa, só de ver aqueles três sentados no sofá. Agora era o Tonhola que estava estranhando a demora do tio. O tempo passava e nada acontecia, a apreensão dele aumentava com os olhos atentos ao corredor que dava para o banheiro. O tio, quando percebeu a molecagem que o sobrinho tinha feito, não se alterou. Num outro pote na mesma prateleira ele também guardava junto com umas ferramentas miúdas, um pequeno imã. Com facilidade ele retirou as moedas do ralo. Saiu do banheiro como se nada tivesse acontecido, passou pela sala, perguntou o que eles estavam assistindo e avisou ao Tonhola que no outro dia o levaria de volta para a casa da avó.

As Travessuras de Tonhola - A Primeira Vez no Cinema

Certo dia, uma moça, vizinha de Dona Rica disse-lhe que levaria ao cinema sua priminha e que se ela deixasse, levaria também o Tonhola. Ao ouvir aquela conversa deliciosa, nosso amigo, que já via com certa simpatia aquela vizinha, não coube em si de contentamento. Começou a rir e a pular na cama numa reação eufórica plenamente natural para a sua idade. Era sábado e combinaram de ir à tarde, na sessão das quatro horas. Até então, a ansiedade tomou conta de nosso amigo, pois ele também nunca havia ido ao cinema. Ficou pronto, com o sapato limpo e bem amarrado, com o cabelo todo engomado de creme, logo após o almoço, bem antes da hora marcada para elas passarem. Lá se foram. Chegaram quase uma hora adiantados, por isso não enfrentaram fila para a compra dos ingressos, apesar de o movimento na entrada do cinema já ser grande com muitos meninos e meninas com a mesma faixa etária. Tudo era novidade para o nosso amigo. Ficou impressionado com a fachada do prédio. Muitas cores, muitos cartazes de filmes. Ao entrarem, a moça comprou-lhes balas, doces, pipocas e refrigerantes. Tonhola não se aquietava, com permissão da acompanhante, percorreu todos os corredores entre as poltronas de madeira e também os que davam acesso aos sanitários, na direita, o corredor masculino e na esquerda o feminino; a iluminação não era muita, mas dava para reconhecer o moleque à distância, para tranquilidade da moça. A menina não quis sair da poltrona, preferindo os prazeres das guloseimas. Faltando alguns minutos para o início do filme, foi dado o primeiro sinal, um toque quase que mágico parecendo um sino bem distante, avisando que a projeção estava para se iniciar: "din...don". Era hora de tomar seus lugares e esperar o deslumbramento se realizar. As luzes foram parcialmente apagadas e uma ligeira correria se formou nos corredores em busca dos assentos, em poucos minutos as luzes se apagaram totalmente e o sinal mágico foi acionado novamente. Uma música maravilhosa que o marcaria por toda a vida, encheu os ouvidos de Tonhola. As cortinas se abriram no paredão branco lá no fundo do palco e teve início aquele mundo estupendo que pela primeira vez aparecia em sua vida: primeiro veio o futebol com detalhes em câmara lenta bem específicos das jogadas, da bola, da torcida, com uma música de fundo em ritmo de um samba bem animado, bem brasileiro e o menino era um riso só; depois, foi exibido um filme de curta metragem de um desenho animado muito diferente dos que ele via na televisão, era um desenho numa grande cidade em que os prédios, as casas, as pontes, as igrejas, tudo se movia junto com as pessoas e os animais, de uma forma muito engraçada. Terminado o desenho animado a moça avisou aos dois pupilos que o filme ia começar. Tonhola não piscava o olho. Uma música forte entrou aceleradamente e lá bem no fundo da tela surgiu um ponto escuro que veio crescendo, voando na direção da platéia e transformou-se num enorme pássaro preto, foi quando a platéia se manifestou fazendo "chit... chit...chit" e batendo o pé no chão para espantar o pássaro gigante que atendendo aos pedidos, espantou-se e foi embora provocando uma sonora gargalhada da platéia que aos poucos foi se abaixando e transformou-se silenciosamente numa só concentração. Começou o filme. Era um bang-bang italiano daqueles muito mentirosos em que havia cavalos demais, índios demais e mais ainda soldados da cavalaria, e olha que naquela época ainda nem havia o recurso da computação gráfica para se multiplicar as imagens, mas tudo bem, para quem nunca tinha ido ao cinema, era tudo novidade e diversão. Até que... depois de milhares de tiros disparados por todos os lados, e, sem saber definir direito o mocinho do bandido, uma cena das mais estapafúrdias muito lhe chamou a atenção. Era um duelo. De um lado, um magricela com o chapéu atolado, lenço no pescoço e um revólver de cabo branco de cada lado da cintura que ele entendeu ser o mocinho, do outro lado, um grandalhão barbudo e mal encarado com um enorme chapéu colorido, que ele imaginou ser o bandido; caia uma chuva fina e todos em cena se afastaram deixando somente os dois inimigos no meio da rua enlameada; iniciado o duelo, o nosso amiguinho ficou muito impressionado porque os dois oponentes seguiam atirando um no outro, de baixo daquela chuva fina, e, a cada tiro dado, davam também um passo para frente em direção ao outro numa tremenda demonstração de coragem, mas, nenhum deles parecia sentir as balas penetrando em seus corpos e também as balas por mais tiros que dessem não acabavam em suas armas. Foi danado o primeiro filme do nosso amigo!

As Travessuras de Tonhola - O Circo

Em cidade pequena do interior, raramente tem atrações para o divertimento das pessoas. Quando aparecem espetáculos maiores, tipo um circo, a divulgação anterior ao início das apresentações, toma conta de toda a cidade. No rádio, a novidade é anunciada a todo momento com a proximidade da estréia. Divulgaram que antes do início das apresentações, haveria um desfile pelas principais ruas da cidade com a presença dos carros, com os animais, os palhaços e todo o elenco de artistas de todas as partes do mundo. E assim foi feito. Na véspera da estréia, a caravana circense saiu pela cidade fazendo o maior alvoroço, soltando fogos, com muita música e na frente um carro com alto-falantes anunciando paulatinamente cada número a ser apresentado. Tonhola nunca havia ido a um circo. Quando ele ouviu aquele som mágico, saiu correndo, alucinado, atraído por aquela vibração que só o circo consegue impor às crianças. Tudo lhe era novidade: os elefantes, leões, ursos, os macacos enormes, todos eles animais que ele só vira pela televisão. Ficou fascinado e acompanhou o desfile pelas ruas por um longo trecho. Voltou para casa correndo, saltitando pelas ruas de contente e ao chegar, foi logo insistindo para que a avó o levasse ao circo.

Há anos Dona Rica não assistia a um espetáculo daquele porte. Certa vez ela ouvira que circo, viu um viu todos, mas no fundo ela sabia que não era bem assim, porque circo tem magia e onde tem magia cada um tem o seu jeito próprio de sentir, ainda mais quando se é criança. E também a idade lhe tirara a motivação para uma atração tão agitada. Mas, quer saber, avó é avó, convenceu-se. Decidiu ir ao circo com o moleque no domingo. Tonhola não cabia em si de felicidade.

As Travessuras de Tonhola - Entrando Pelo Cano

A rua de Dona Rica, naquele tempo, já era asfaltada, mas, duas quadras abaixo o asfalto terminava e ainda faltavam mais duas até se chegar ao córrego. A prefeitura estava iniciando naqueles dias as obras de infraestrutura para o escoamento das águas servidas e das chuvas nas ruas a serem pavimentadas. Toda obra de construção civil é uma curiosidade para a criançada, ainda mais quando se trata de escavações no meio das ruas. Tonhola, junto com a molecada da vizinhança acompanhava as obras todos os dias importunando a vida dos operários. Entravam nas valetas, atiravam torrões de terra uns nos outros, gritavam assustando os trabalhadores, o que era um perigo, pois poderiam se machucar caindo, ou mesmo num acidente mais grave com as máquinas pesadas trabalhando muito próximo. Quando iniciaram a colocação dos tubos de concreto para a condução das águas das chuvas, aumentou a fascinação e a curiosidade da molecada. Aquele túnel artificial que se formava ali embaixo da terra enchia de planos aquelas cabecinhas mais afoitas.

Para surpresa nossa a idéia mais maluca, não partiu do nosso Tonhola. Dois irmãos negrinhos chamaram-no para juntos entrarem nos tubos adentro para verem onde ia dar. É claro, a resposta mais do que depressa foi afirmativa. Marcaram a aventura para o final de semana, pois era quando os operários paravam mais cedo. O serviço andava a todo vapor e àquela altura, várias quadras já estariam interligadas pelos túneis subterrâneos. Os tubos tinham uma altura tal que dava para os nossos pequenos aventureiros quase de pé, com apenas uma envergadura na espinha. Chegado o dia e hora marcados, entraram tubulação adentro. Alguns poucos metros caminhando à frente, começaram a perceber o aumento na escuridão, o que só fez aumentar o medo nos moleques, principalmente nos dois negrinhos que não demoraram muito e chamaram Tonhola para regressarem. Discutiram, Tonhola os chamou de frouxas e seguiu sozinho naquele breu. Sem enxergar nada, seguiu tateando pelas paredes dos tubos. Os negrinhos saíram dos tubos quase brancos de medo e ficaram ali na entrada esperando pela volta do amigo. Em vão. O tempo passava e nada de Tonhola aparecer. Eles foram ficando cada vez mais apavorados. Pouco tempo depois foram correndo avisar a pobre da Dona Rica. Muito assustada, ela foi chamando os vizinhos por onde passava e foram todos apressados esperar na extremidade da tubulação nas proximidades do córrego. E nisso, no tumulto, foi aglomerando gente. Nada do menino voltar. Apareceu gente com lanternas, mas sem coragem de ir atrás; outros gritavam da boca dos tubos; alguém comentou que ainda bem não havia previsão de chuva, "já pensou!"; outros tentavam acalmar a pobre da avó e nada, nenhum sinal. Quase no final do dia, um dos curiosos disse que os tubos já estavam praticamente todos interligados e que algumas quadras à frente no sentido do córrego, a tubulação já estava concluída para aquelas ruas. Todos para lá seguiram esperançosos. Já era quase noite, quando, para surpresa de todos, finalmente apareceu o nosso herói com somente alguns arranhões pelos braços, todo tranqüilo, vendo a avó apavorada daquele jeito ele lhe perguntou: — aconteceu alguma coisa?

As Travessuras de Tonhola - Cobra Verde

Os vizinhos de Dona Rica tinham verdadeira compaixão por ela, mas não suportavam o seu neto, o moleque Tonhola. Também, ele não dava sossego, não deixava por menos. Entre os vizinhos havia uma senhora negra e gorda que morava duas quadras distante rua abaixo, sempre ela passava pela rua com seu caminhar vagaroso, nunca entrava, nem sequer parava, mas não deixava de cumprimentar quem estivesse na casa aos berros de lá da rua mesmo, muitas das vezes até mesmo sem saber quem lá dentro se encontrava. Além de obesa, a coitada sofria uma doença terrível que lhe causava inchaço e dores numa das pernas, o que dificultava ainda mais o seu caminhar, era uma tal de elefantíase. A molecada da rua se divertia com a obesidade da coitada, e, é claro, nosso Tonhola não ficava atrás. Certa vez, ele apanhou uma daquelas plantas que parecem uma espada comprida e verde, "espada-de-são-jorge", amarrou uma linha escura bem fina numa das pontas e a escondeu do outro lado da rua no meio do matagal, já quase escurecendo, entrincheirou-se por detrás do muro baixo de sua casa e esperou a coitada da negra passar na volta da missa das cinco da tarde. Assim que ele a viu se aproximando, começou a puxar a linha arrastando lentamente a "cobra verde" diretamente de encontro com a pobre mulher. Deus do céu, vocês nem imaginam o tamanho que foi o susto da coitada quando percebeu aquele nojento objeto emaranhado em seus pés. Com todo aquele peso ela chegou a dar um salto para trás de tanto susto. Quando ela percebeu que tudo não passava de uma brincadeira do moleque Tonhola, o ódio a fez mudar de cor e saiu gritando: Tonhola seu moleque safado, eu ainda te pego seu desgraçado, você me paga! Parou um pouco, colocou a mão sobre o peito, curvou-se para frente tomando fôlego ainda aos berros. Seguiu seu caminho ainda esbravejando e com a respiração apertada.

Tonhola era desses meninos insaciáveis, daqueles que nunca se contentavam com pouco mal feito. Mal ele acabava de aprontar uma e já estava azucrinando as idéias maquinando a próxima façanha. O pior é que ele quase sempre obtinha sucesso em suas artimanhas, por mais perigosas que fossem... Pobre Dona Rica!

As Travessuras de Tonhola - Tonhola na Escola

Está chegando a hora de Tonhola ir para a escola. O que tem tirado o sono de Dona Rica. Sem dinheiro para matriculá-lo numa escola particular, e sem tempo, ou mesmo coragem para ficar atrás de figurões que possam ajudá-la a conseguir uma vaga para matriculá-lo numa escola pública perto de sua casa, ela vai deixando o tempo passar, cada vez mais preocupada com o destino que terá que dar ao moleque, pois pressente que algo de ruim lhe pesará mais ainda sobre os ombros. Só em pensar ela já sente dor de cabeça, pois toda vez que toca no assunto "escola" com o moleque ele lhe apronta alguma. Uma vez ele se trancou no armário após o almoço, pegou no sono entre os panos e só foi sair à tardinha. Imaginem a aflição de sua pobre avó procurando pelo moleque por todos os cantos sem sucesso. Outra vez ele subiu no pé de abacate e se ajeitou bem no alto e nada o fazia descer de lá. Mas a pior de todas foi quando ele jogou álcool no gato de Dona Rica e o atirou no fogo da fornalha, como veremos a seguir noutro episódio, o bichano ficou todo despelado e por sorte não morreu, graças ao socorro que sua avó prestou ainda em tempo de salvá-lo. Muito a preocupa o período depois que o menino estiver na escola, com o seu temperamento, sua hiperatividade, seu relacionamento com os outros meninos e meninas; teme por ser chamada todos os dias a dar esclarecimentos sobre o comportamento dele e também se ele será aceito na escola por muito tempo, sendo do jeito que é. Mas também imagina por outro lado, se os professores conseguirem domá-lo, conseguirem canalizar a sua aparente falta de concentração para o lado bom da aprendizagem escolar, ah, isso seria bom demais de se pensar, ela até dava um sorriso e um pulinho de alegria espantando o arrepio do corpo para as pontas dos dedos. E assim, terminando o episódio, mais feliz do que preocupada, Dona Rica deu sequência aos seus afazeres domésticos.

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As Travessuras de Tonhola - E Assim Tonhola Veio ao Mundo

E assim Tonhola veio ao mundo


De um simples namoro frustrado nasceu Tonhola. Desde o nascimento ele está sendo criado por sua avó, uma santa mulher, Dona Rica. A coitada o faz com todas as dificuldades que a vida já exige e mais as outras inúmeras que o neto inventa, como veremos a seguir. Desde que nasceu ele tem sido a ovelha negra nas mãos de Dona Rica. Que de rica, coitada, só tem o nome, aliás, o apelido, que com o tempo se acostumou a ele como se fora seu próprio nome e por isso não se importa, estranho ela acha quando alguém formalmente a chama pelo próprio nome. Voltemos à apresentação: a ingrata da filha não liga nem para o filho e muito menos ainda para sua pobre mãe; não tem profissão definida, vive vagando pelo mundo, aparece de vez em quando, e na maioria das vezes para se safar de algum problema. A pobre da Dona Rica vive se cobrando sobre o que ela teria feito de errado nessa vida para merecer uma filha assim tão ingrata; se soubesse, com certeza de tudo ela teria feito para que fosse diferente; onde será que teria sido seu erro, que culpa tinha ela se a desmiolada da filha se envolvia com colegas de raça ruim que a levaram a cometer inúmeros erros desde a adolescência. Talvez se não tivesse ficado viúva tão jovem teria sido diferente, com a presença do pai em casa certamente haveria o respeito que a filha não teve para com ela; não a teria desobedecido tanto, não teria namorado aquele sujeito mal encarado, folgado, que lhe causou má impressão desde a primeira vez que o vira ao lado da filha. Não deu outra, foi só a filha engravidar e o sujeito sumiu e nunca quis saber nem dela e nem do filho que ia nascer. Desde então ela fez o máximo que pode para que o neto não se tornasse o maior erro na vida de sua filha. Da filha, foram raríssimas as vezes que ela ajudou com alguma coisa. A pensão que recebe do finado marido, é que vem lhe dando condições de viver.