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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Caminhoneiro


Eu quero ser é motorista. Ninguém tirava aquilo da cabeça dele. O cara queria e pronto. Ainda que sua mãe desesperasse que seu pai fosse contra e seus irmãos nem se fala. Nada adiantava para tirar do sujeito aquela obsessão. Ele mal havia saído do seu dever de prestar contas com o serviço militar obrigatório e ainda sem completar os estudos como toda sua família queria, ele se virou sozinho e conseguiu se inscrever no curso para habilitação em veículos de carga.

O curso não era barato e seu pai, sem saída, deve que ajudá-lo, mesmo que a contra gosto. Habilitado, pôs-se à procura de emprego. Não foi muito tempo. Algumas empresas preferem motoristas mais jovens e acabou sendo contratado. No início as viagens eram curtas, voltava todos os dias para casa. Com o passar do tempo, foi se aperfeiçoando e conquistando a confiança dos patrões. Foi convidado para uma primeira viagem mais longa, uma semana na estrada. Não parou mais. Aquilo lhe era fascinante. Quanto mais longe, quanto mais lugares novos conhecia, mais ele se identificava com a profissão. Seu lar era a estrada.

Pra ele não tinha tempo ruim, estrada ruim, nada. Tinha fôlego para qualquer parada. Não enjeitava empreitada por pior que parecesse. Pra ele era tudo diversão e o possante era seu companheiro de guerra. Zelava do caminhão com capricho, até mais do que se fosse seu, exagerava.

Numa de suas viagens, seu coração balançou pela primeira vez por uma caboclinha do interior. Passou a ter preferência por um trecho de viagens e aquilo chamou a atenção dos patrões. Alguma coisa ele deve de ter arrumado por aquelas bandas, pensaram.

Noutra viagem, longe de casa e da caboclinha, envolveu-se numa confusão numa festa levado por outros motoristas brigões e acabou preso. A notícia chegou na empresa como uma bomba. Fulano está preso em tal lugar. Caminhão parado, carga atrasada, tudo errado. Gastos com um representante que teve que ir até o tal lugar para soltá-lo, mais despesas e dificuldades para soltá-lo, o desembolso foi maior que o esperado. Pouco adiantaram as explicações de que fora vítima. Teve o boletim carimbado pela primeira vez. Seus pais nada entenderam, confiavam no filho, afinal, não havia precedentes.

De volta, ficou muito chateado com a repreensão que tivera. Pensou pela primeira vez, com muita força, em ter seu próprio possante, pegar a caboclinha e fugir para um lugar distante. Mas não comentou com ninguém seus planos. Falava com a caboclinha todos os dias lhe dando esperanças e enchendo cada vez mais o coração de paixão.

Algum tempo depois, já tinha o dinheiro para a entrada de um caminhão usado. O restante daria conta de pagar com o trabalho do próprio caminhão. Não pensou duas vezes. A visão de viver com a caboclinha o cegava para outros assuntos menores. Pediu demissão na empresa, juntou o acerto com suas economias e comprou o dito. Seus pais quando viram o caminhão na porta de casa ficaram assustados. Deram apoio ao filho que no outro dia partiu cedo, vazio.

Não quis avisar a caboclinha, queria fazer surpresa. Chegando à cidade, o telefone dela não atendia. Procurou nos lugares onde a conheciam e ficou sabendo que ela havia ficado noiva no final de semana com um moço estudante da capital, colega de infância dela. Aquilo o matou um pouco. Não chegou a vê-la. A família sabia do namorico e tratou de escondê-la, estava proibida de sair de casa sem o acompanhamento de alguém.

Foi para um bar no final do dia e começou a beber para refrescar as ideias e tentar encontrar uma solução. Não acreditava que aquilo estivesse acontecendo. Por várias vezes tentou ligar para a caboclinha e nada. Tentou mandar recados e nada. Ele só sabia de uma coisa, não ia desistir assim tão fácil. Precisava vê-la, ouvir de sua própria boca que tudo tinha acabado que era tudo uma ilusão que aqueles telefonemas longos e adoráveis era um sonho bonito que tinha acabado.

Passou aquela noite na boleia do caminhão. Acordou com a cabeça cheia, zonzo. Deu por si. Pegou o celular, ainda tinha um pouco de carga na bateria, tentou ligar, tocou várias vezes até cair na caixa de mensagens e nada, outra vez e nada, e nada. Desistiu. Passou na porta da casa dela devagar. Seguiu viagem com o caminhão vazio rumo a lugar nenhum.

O Chapa

Foram vários os empregos que ele passou. Trabalhador de serviços braçais é assim mesmo, vive mudando de emprego. Num deles. Uma obra de casas populares, estava tudo certinho, com carteira assinada e tudo, era bem relacionado e querido por todos, um sujeito divertido e trabalhador, muito forte fisicamente. Ele estava separado da esposa. Apreensivo. Ficara definido na justiça que ele teria que pagar tanto de seu salário mensalmente de pensão alimentícia dos filhos. Não era todo mês que ele dava conta do depósito e por isso dizia aos companheiros para o acobertarem em caso dos homens aparecerem para levá-lo. Naquela obra ele não chegou a ser recolhido.

A obra terminou, depois passou por vários trabalhos avulsos, inclusive alguns que fez na zona rural. Acabou trabalhando de “chapa” numa empresa de fertilizantes. Carga e descarga de caminhões. Durou algum tempo.

Com a estabilidade no trabalho, até voltou a conviver com a esposa e os filhos pequenos sobre o mesmo teto.

Tudo ia bem até que num dia de empolgação bebeu demais com os colegas num bar e chegou em casa com a cara cheia. A esposa brava, primeiro pela demora e depois de vê-lo, por causa da bebida, fez com que ele tivesse uma reação inesperada. Saiu de casa soltando fumaça pelas ventas, numa moto usada que havia acabado de comprar, envolveu-se num acidente com um carro e morreu na hora.

Pau-de-sebo

São as circunstâncias. Cada um faz o que pode Quem não pode se sacode e pede emprestado ao vizinho. Por isso boa vizinhança é sempre bem-vinda. Não adianta maltratar hoje, ser hostil, com quem poderá ser-lhe útil outro dia. As pessoas são assim mesmo, faz parte da natureza do ser humano. Quando se precisa de alguém, fazemos de um tudo por aquela pessoa, bajulamos até. Caso contrário, desdenhamos. Quer um exemplo: um sujeito todos os dias se sentava na escadaria da igreja para ver o movimento na praça e também arriscar achar algum caridoso que lhe atirasse alguma moeda no boné surrado esparramado no chão. Foi assim, um dia, por outro, por uma semana, até que o pároco se zangou e correu com ele dali. Tá certo que é a casa de Deus, mas abuso não pode. A maioria das igrejas de hoje estão cercadas por grades reforçadas. São protegidas a sete chaves as coisas de Deus. E o padre quis lá saber a religião do dito cujo. Estava incomodando e pronto, retirado, não incomoda mais e que vá incomodar em outro canto. E que assim seja em nome do Pai.

Vez ou outra vou à missa. Confesso que ando meio afastado.

Em época de quermesse a igreja fica movimentada. Os fiéis reaproximam, o leiloeiro engorda os cofres da paróquia com as prendas e oferendas. Além do leilão em festa religiosa também tem fartura de comidas e bebidas e brincadeiras as mais diversas, do coelhinho entre as casinhas em círculo, à pescaria de oferendas, a criançada adora. Tem também o correio elegante, as donzelas se aprontam para os rapazes e vice-versa. O padre comemora os ganhos no final de cada dia. Esse ano dará para seguir com a reforma da igreja, comemora entre os fiéis mais próximos. O conjunto musical da paróquia alegra as noites de festa, tá certo que não é lá essas coisas, mas acaba sendo melhor que som mecânico.

Festa da padroeira da cidade é uma festa tradicional que acontece todos os anos durante os ventos de agosto. No meu tempo tinha um tal de pau-de-cebo. Uma nota, geralmente a de maior valor em circulação era fixada no topo do pau, que era breado de sebo de vaca, por isso o nome, ficava todo escorregadio. O sujeito que conseguisse subir no pau até o topo pegava o dinheiro e ficava com ele. Era divertido, poucos tentavam, mas sempre algum espertinho conseguia e levava a grana sob os aplausos da platéia.