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domingo, 29 de setembro de 2019

As Travessuras de Tonhola - A caligrafia do seleiro

Aquele senhor fora funcionário de um cartório numa outra cidade. Também fora nomeado delegado, na época era assim também com oficial de justiça e juiz de paz.
Ali na fábrica ele era seleiro.
Exímio artesão fabricante de arreios. Fabricava arreio do tipo cutiano e também o do tipo lumbio. O arreio lumbio é aquele de cabeça para se prender as pernas.
Certa vez, Tonhola estava de bobeira ali pela loja, quando viu escrito numa folha de papel destacada de caderno espiral, uma lista de materiais para fabricação de arreios, que o gerente havia deixado sobre o balcão.
Nada de mais, aliás a lista em nada o interessava. Mas aquela letra artesanal, as maiúsculas desenhadas, com garranchos e entornos simétricos, aquilo sim ele nunca tinha visto e ficou fascinado.
A letra do senhor seleiro fabricante de arreios era de uma beleza que muito contradizia com a rudeza de sua atual profissão.
Coisas da vida.

As Travessuras de Tonhola - O amigo Muamba

Muamba foi um dos amigos de Tonhola que tiveram como primeiro emprego o trabalho de ajudante de sapateiro. Ou, como eram chamados na época: "gancho".
Muamba era muito magrinho, esperto e brincalhão. Um sorriso maroto, sempre estampado no rosto, era sua marca.
Era um fiapo de gente, por isso o apelidaram de Muamba.
A fábrica onde trabalhavam tinha por costume fazer uma festa no final do ano.
Seria a primeira que o Muamba participaria na empresa.
A festa era oferecida aos funcionários e familiares, por isso Tonhola não fora convidado.
Ele ficou sabendo depois do ocorrido com o amigo Muamba.
Disseram que o menino se entusiasmou e entrou no embalo dos amigos mais velhos, misturou pinga com cerveja e se deu mal. Deu o maior vexame na festa.
A zoeira foi tanta que aquela foi a última festa oferecida pela empresa aos sapateiros, seleiros e ganchos.

As Travessuras de Tonhola - O Tião e a taca

Naquele dia o Tião não estava com sorte.
Pegou o gerente da loja num dia ruim e nem viu quando o irritado senhor meteu-lhe uma taca nas costas.
Aquilo doeu pra caramba.
Taca é feito um chicote de couro cru, só que em vez de ser trançado e fino é de uma forma larga no início e mais fina na ponta. É feita com duas tiras grossas de couro cru, costuradas uma à outra pra dar maior rigidez à lambada. No punho, geralmente uma argola larga separa a empunhadura do relho. Esse cacete com alça no pulso era muito utilizado para punir os animais e também os escravos.
O Tião não chorou porque tinha gente em volta e porque não era do seu feitio, mas se arredou dali de fininho com o lombo ardendo e a alma então nem se fala.
Ele era um abestado que nasceu com uma deficiência mental. Os médicos na época falaram que ele não passava dos sete anos. Quando Tonhola o conheceu ele já tinha mais de cinquenta anos.
O coitado nasceu troncho, meio curvado para o lado direito, babava e não falava direito. Ouvia muito bem, entendia tudo e ria sempre. Um pobre coitado.
Fosse outro, aquele senhor da loja nunca teria lhe rendido a taca nas costas.

As Travessuras de Tonhola - O Bar Gamela

No Bar Gamela os trabalhadores rurais tomavam suas refeições.
Nos dias de folga, era pouso nas pensões da cidade e bóia no Bar Gamela.
Dona Rica por uns tempos, forneceu ovos para o bar.
Tonhola fazia as entregas. Com muito cuidado ele ia pela rua com aquele caldeirão de alumínio pesado, cheio de ovos frescos. Naquele tempo não havia as embalagens próprias para ovos.
Os sujeitos davam o duro no campo, recebiam e iam para a cidade gastar. Batiam ponto no Bazar Rural e compravam pelo menos uma daquelas camisas "da hora", uma bermuda nova não podia faltar, um chinelo de dedo, um conjunto de toalhas e a calça de casimira. Não viam a hora da noite chegar e se dirigiam cedo para a diversão na zona do meretrício.
Casas de luzes coloridas anunciavam as portas abertas para o comércio do prazer.
Os caras se divertiam.
Alguns abusavam na bebedeira e acabavam voltando no início da semana para a lida na roça sem nenhum tostão no bolso, gastavam tudo na farra.
Pareciam felizes.

As Travessuras de Tonhola - Doce de arroz

Doce de arroz naquelas cumbuquinhas de vidro com cobertura de canela, essa deliciosa especiaria de origem chinesa, não tem preço.
Esse doce foi um dos muitos sabores de infância na memória de Tonhola.
No bar, os doces ficavam dispostos num balcão com o vidro meio inclinado tudo organizadinho. Além dos doces de arroz, pudins, quidins de coco, cocadas e brigadeiros completavam o delicioso painel visual.
O doce de arroz era servido em duas cores, o branco natural e o moreno feito com o açúcar queimado, de longe o preferido do nosso garoto.
E com aquela canelinha moída por cima então, uma maravilha!

As Travessuras de Tonhola - Água de sola

Naquela ala da fábrica de calçados, trabalhavam seis sapateiros. Cada um tinha sua banca, sua prateleira com os repartimentos de madeira onde ficavam separadas os diferentes tamanhos de pregos ou taxas. Os sapateiros trabalhavam colocando as taxas na boca pra andar mais rápido na prega dos calçados presos em suas formas que eles seguravam firme entre os joelhos. Num dia bom, os melhores sapateiros chegavam a fabricar vinte pares de calçados ao dia, em sua maioria botinas.
Também compunham o arsenal do profissional, um tamborete de madeira feito de tiras de pneu, porque ninguém merece ficar o dia todo sentado trabalhando em cadeira fechada, é preciso ventilação inferior. E outro tamborete no lado oposto, bem de frente ao sapateiro, onde ficava o ajudante, que organizava os calçados no pequeno espaço em forma de meia ferradura, sempre ao alcance das mãos para não perder tempo.

Aqui cabe um capítulo à parte, porque foram muitos os amigos de Tonhola que foram ajudantes de sapateiro no início de suas carreiras como trabalhadores. Ajudantes que não sei porque eram chamados carinhosamente de "ganchos" . Um deles era o seu querido amigo Muamba, como veremos em breve.

O tamborete do sapateiro ficava entre a prateleira e a parede sem espaço justamente para ninguém passar por ali. Era perigoso. O sapateiro trabalhava com faca de sapateiro, ou seja, muito afiada e com ela moldava a sola do calçado à forma, sempre com a forma presa forte ao peito, para não vacilar. Mesmo assim, muitos deles tinham marcas de cortes no peito. Feias cicatrizes. Devido o forte calor, praticamente o ano todo, naquele tempo era permitido, muitos dos trabalhadores não usavam camisas.
Aqui entra o motivo do título desse capítulo.
Cada conjunto desses tinha uma janela de madeira alta, presas em dobradiças que abriam pra cima, para dentro do prédio. Algumas ficavam presas em correntinhas, outras em barbantes e outras eram simplesmente escoradas com algum sarrafo de madeira.
Nessa folha de janela os funcionários dependuravam suas roupas, para a troca no final do expediente.
Essas janelas quase já levaram os funcionários a sérios desentendimentos e até mesmo demissões.
Imaginem só: o cara chega pra trabalhar levando o badeco pra bater o rango na hora do almoço e não perder tempo porque recebe por produção, ou seja, quanto mais calçados ele fizer, mais ele ganha no final de semana, por isso nada de almoçar em casa; daí o cara se lasca o dia todo concentrado nas formas de calçados e no tamborete de tiras de pneu, no final do dia, contente com a produção, organiza tudo, deixa os calçados prontos para a desforma no outro dia pela manhã pra começar tudo de novo. Dá uma lavada, mal lavada no corpo suado num banheiro improvisado e escuro num dos cantinhos onde ficam estocados os materiais. Muitos rolos de solas e vaquetas. Depois sai feliz cheirando a sabonete "primavera" ou "carnaval", volta para sua banca, troca de roupa e quando vai fechar a janela, apressado para chegar em casa e, putz, toma um belo dum banho de água de sola com sua roupa limpinha ao baixar a janela.
Pra quem não sabe, água de sola é a água que colocam couro cru de vaca para amolecer. No outro dia, com o couro mole o utilizam para fazer suador de arreio. São aqueles dois travesseiros, cheios com capim mumbeca que vão na parte de baixo do arreio para apoiar no dorso do animal.
Sentiram o cheiro da água.
Pois é!
Fede pra caramba e a cor da água é realmente de burro fugido.
A sacanagem era colocar um galão de uns três litros, cheio de água se sola em cima da janela de madeira. Ao abrir e ainda olhando para cima para soltar o improvisado fecho o banho era certo.

As Travessuras de Tonhola - Martelo de borracha

Joacir que sempre aprontava alguma, aprontou de novo com o pobre do Tonhola.
Na loja que ele trabalhava havia chegado uma mercadoria embalada em caixas grandes de madeira.
Era preciso desembalar as mercadorias, sob os olhos atentos do gerente.
Enrolando para iniciar o serviço, Joacir viu quando Tonhola ia passando despreocupado e chamou-lhe.
- Tonhola estou cá enrolado pra abrir essas caixas, você me faz um favor?
O pobre do moleque nem teve tempo de responder.
- Tá vendo lá na ferragista, do outro lado da avenida. Corre lá e pede pra eles emprestarem o martelo de borracha. Diga que é rapidinho assim que terminar o serviço eu devolvo.
Tonhola pensou "martelo de borracha".
- O que seria aquilo?
Deixa estar. Como era o amigo Joacir que pedira, ele foi buscar o martelo sem questionar.
Na loja o pessoal o atendeu às gargalhadas.
Volte lá Tonhola que o Joacir está mangando de tu. Não existe martelo de borracha em ferragista.
(Naquela época não existia, hoje existe).

As Travessuras de Tonhola - O quibe do Galo de Ouro

Galo de Ouro era outro bar afamado da região, juntamente com o Columbia, o Quitandinha e o Gamela.
Mais voltado à vida noturna só era aberto no período da tarde.
Eles vendiam uns salgados assados deliciosos e um inesquecível quibe frito com ovo dentro que era o ó do borogodó.
Tonhola sempre que podia dava uma escapadinha para saborear um deles.

As Travessuras de Tondela - O dono do Bar Quitandinha

O dono do Bar Quitandinha era um senhor baixinho e gordo, mais barrigudo que gordo. Ele acabara de adquirir um carro zero na cor vermelha. Um fusquinha. O pobre homem dirigia com o queixo acima do volante e consequentemente a barriga roçando o mesmo.
Ele bebia e vez por outra exagerava.
Tonhola presenciou uma triste cena, engraçada para alguns.
Um dia no final do expediente o pobre coitado estava tão bêbado que teve dificuldades pra baixar a estreita porta de ferro de enrolar do seu bar. As chaves eram um calhamaço de um chaveiro com muitas chaves, entre elas, claro, estava a chave do carrinho novo.
Fechada a porta, ele primeiro se certificou, como de hábito, que a porta estava bem trancada dando uma forte sacudidela tentando abri-la e foi cambaleando para o carro do outro lado da avenida de duas pistas. Ele sempre estacionava ali para ter o carro ao alcance da vista.
Só que, justo daquela vez, para seu asar, estacionaram atrás outro fusca idêntico ao seu.
A chave não entrava.
Ele tentava e nada. Rodava aquele monte de chaves com as pontas dos dedos à altura do olho para se certificar que era a chave certa, tentava de novo, e nada de a chave entrar. Aquilo já estava lhe dando nos nervos, apesar da manguaça. Ninguém foi lá lhe dizer que ele não estava em condições de dirigir e também que o seu carro era o da frente. Preferiram ficar longe, rindo e zombando do pobre homem gordo e baixinho e bêbado. Entre eles o menino Tondela que também participava do encerramento do expediente comercial e adorava um mal feito.
O fecho da história deu-se quando um transeunte, que não tinha nada com a história, só estava passando por ali, ao perceber o homem naquela agonia, perguntou-lhe se não poderia ser o carro da frente. O baixinho olhou para o seu carro e ainda deu uma má resposta ao transeunte.
A plateia em delírio observava se ele conseguiria "vestir" o carro e sair dirigindo. O homem conseguiu e escafedeu-se dali com seu estado etílico sem maiores problemas.

sábado, 13 de julho de 2019

As Travessuras de Tonhola - Mão boba

Aconteceu numa brincadeira dançante.
Improvisaram uma boate numa residência que virou ponto de festa aos finais de semana. O bar ficava na cozinha e as bebidas eram servidas pela janela que dava para a varanda dos fundos.
Tonhola foi com o amigo Joacir, que por ser bem menor no tamanho e mais velho na idade tinha a preferência e ia à frente. Chegaram cedo, mas em pouco tempo a casa estava lotada e a música estava alta e os casais dançavam agarradinhos. Os solteiros perambulavam pra lá e pra cá e ou ficavam encostados nos cantos assistindo a dança e o esfrega esfrega sob aquela iluminação negra.
Numa das vezes que atravessaram a sala, Joacir, já mais alegre do que devia, dando uma de espertinho, meteu a mão na busanfa de uma menina que passava por eles. A reação da garota foi instantânea e violenta: ela virou-se ofendida, deu um grito de ódio e se deu de frente justamente com o pobre do Tonhola e não quis nem saber, meteu-lhe um tapa na cara daqueles, com a mão aberta que a sala ouviu e chegou até a interromper a dança por alguns segundos, depois foi imediatamente arrastada para outra sala pelas amigas. O coitado, boquiaberto, com a cara latejando, ficou plantado ali no meio da sala sendo observado, apanhou sem saber do que se tratava. O amigo, entre aspas, enfiou a cabeça entre os ombros, se afastou de fininho e se pôs a observar de longe.

As Travessuras de Tonhola - Um Garoto Afeminado

- Você viu como aquele menino tem um jeitinho assim?
- Repara só!
Disse Tonhola ao amigo ao ver o garoto ainda distante.

Ao se aproximar dos outros meninos o moleque ficava todo dengoso, retorcendo o corpo como se estivesse se coçando por dentro.
Era o jeitinho sim aboiolado.
- Como pode? O moleque ainda cheirava a fraldas.
Deve vir de berço.
O pai está desconfortável, mas, sem saber o que fazer fica meio que de olho no guri, que também não é bobo e já percebeu e o evita.
A mãe o enche de dengos e acha bonitinho o seu jeito de ser e o empolga.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

As Travessuras de Tonhola - Tonhola e o Mar

A primeira vez que Tonhola viu o mar, por pouco não foi a única.
Como sabemos, ele até então, não sabia nadar.
Ele foi convidado por amigos a ir numa excursão escolar e foi de gaiato, depois de um carretel de recomendações da avó Dona Rica aos professores responsáveis pelo passeio e tudo na presença do neto, que, avexadíssimo ouvia os perrengues da avó sem nada poder fazer. Só olhava para os professores para que lhe tivessem pena.
Tiveram pena dele. O menino foi confirmado no passeio.
A viagem era longa, passaram a noite toda na estrada e amanheceram diante do mar.
Para a maioria dos alunos um deslumbramento por ser a primeira vez. Tonhola então, era um abestado só.
O ônibus passou pela avenida à beira-mar e estacionou a poucas quadras no hotel onde ficariam.
Mal lamberam o café da manhã e se mandaram para a praia e não estavam nem aí para os gritos dos preocupados professores.
O mar estava calmo naquela manhã.
O local era uma enseada.
Correram para o mar para molhar suas novas roupas de banho. Tonhola parecia um garimpeiro de Serra Pelada com aquele seu shortezinho apertado de nylon azul com duas fitas brancas verticais nas laterais.
E foram entrando mar adentro pois estava muito raso.
E a água deu na canela e foram entrando.
E a água deu na cintura e foram entrando.
E a água deu no peito e foram entrando mas a essa altura alguns começaram a ficar para trás.
Os outros foram entrando, os mais corajosos. Adivinhem se o Tonhola não era um deles?
E foram entrando.
Veio uma onda mais forte, já com a água no peito e a areia correu forte entre seus pés puxando para o mar adentro.
Mesmo assim ainda foram entrando, só alguns poucos.
E foram entrando.
A próxima onda que veio retirou-lhe a areia dos pés, não tinha mais onde pisar, putz que susto.
Tonhola tentou voltar mas não tinha onde pisar, ele dava pedaladas tentando encontra o fundo e nada, começou a baixar o desespero e veio outra onda e com ele solto na água a força da onda por um verdadeiro milagre o trouxe de volta até uma altura que seus pés alcançaram a areia.
Já em areia firme, refeito do susto, ele disfarçou bem, deu uma sacudidela no shortezinho apertado de nylon azul com duas fitas brancas verticais nas laterais e respirou fundo aliviado.
Tonhola ficou o resto do passeio com água só pelas canelas.

As Travessuras de Tonhola - Carne enlatada

Kitut. Esse era o nome da carne enlatada que tudo quanto era boteco vendia. É uma mistura de carne bovina, suína e de frango que podia ser comida ao natural, do jeito que vinha. A embalagem tinha um abridor anexado à lata que era só girar estava pronto para degustar.
Tonhola passou uns maus pedaços por causa do tal do Kitut.
Dona Rica tinha conta num armazém e as compras eram anotadas num caderninho espiral daqueles pequenos. Cada cliente tinha um.
Tonhola corre lá no armazém e busca isso, e busca aquilo, e busca aquilo outro por aí vai.
Cada buscada daquelas Tonhola acrescentava por sua conta e risco uma lata do tal do Kitut. Sua avó deixou? Perguntava o desconfiado dono do armazém, deixou sim, pode confiar, e anota um kitut e outro e outro e acabou acumulando aquilo e no final do mês quando Dona Rica foi acertar a conta quase teve um treco. Era muito Kitut. Tonhola vem cá seu moleque você me paga!

sábado, 22 de junho de 2019

As Travessuras de Tonhola - O Time do Panela

O Panela era um crioulo divertido.
Ele organizava um time de futebol e ia jogar na zona rural nos finais de semana.
Daquela vez, pra completar o elenco Tonhola foi convidado.
Foram de pau-de-arara, naquele tempo podia, por uma estrada de chão muito esburacada. Já na saída o Panela avisou pra ninguém ficar com os pés sob a tábua do banco da frente e nem da que estava assentado, pois ela podia se quebrar.
Todos sabiam que o futebol de Tonhola não era lá essas coisas, mas, pra completar o time, vá lá!
A estrada era muito ruim que demoraram o dobro do tempo estimado.
Chegando lá o chefe do outro time, irritado, esbravejava com a demora, pois alguns de seus jogadores já ameaçavam debandar.
Feita a recepção, todos se trocaram por ali mesmo debaixo das árvores o jogo tomou seu rumo.
Final 0x0 pra decepção de toda a fanática torcida presente.
O jogo foi tão ruim que nem se deram pela categoria de Tonhola.
No outro dia o jogo foi anunciado na radio local como um senhor evento: "na fazenda tal nesse último final de semana foi realizado o sensacional jogo de futebol entre as equipes tal do bairro tal da cidade tal como equipe visitante contra a equipe local tal da fazenda tal no município de tal cidade e o jogo foi realizado no campo de terra batida daquela localidade e depois de noventa minutos de um belíssimo futebol muito disputado a peleja foi encerrada pelo competentíssimo juiz tal de tal cidade especialmente convidado para o singular evento mas que infelizmente para insatisfação da grande torcida presente sem a abertura de contagem pois foi sacramentado um empate em zero a zero simbolizando por si o tamanho da regularidade entre as equipes rivais por isso a diretoria da equipe citadina já avisou que haverá o jogo de volta e que portanto estão todos convidados a comparecer dia tal em tal horário no campo de futebol tal localizado no bairro de mesmo nome".

As Travessuras de Tonhola - Calça de Casimira

Uma vez Tonhola foi pescar num riacho com o tio e os dois primos.
O riacho desembocava num rio e o local que foram pescar era bem próximo do rio, dava para ouvir o barulho das águas nas pedras, era uma corredeira.
Hoje não existe mais, o local foi coberto por uma represa.
Pra se chegar no local de pesca tinha que passar por uma trilha bem fechada na mata com galhos que podiam arranhar. O tio ia na frente com um facão em punho cortando os galhos.
Os meninos vinham atrás levando os apetrechos com a tralha de pesca e os lanches e bebidas.
Tonhola não era muito chegado a pescarias, o trabalho que dava lhe cansava os neurônios antes mesmo do início da aventura.
Só que daquela vez um fato novo chamou-lhe a atenção. Ao passarem por um descampado no meio da trilha, um pasto com gado ao longe, o caminhar do tio era ouvido de uma forma diferente. Com os passos ritmados, o esfregar de uma perna na outra do tecido grosso de casimira da calça que ele usava fazia um barulho roc roc roc. Tonhola se segurava para não rir e os primos atrás perguntando o que era. Quando pararam numa sombra no final do pasto, já entrando na mata nas margens do riacho, Tonhola caiu em gargalhadas. Todos riram, mas ninguém nunca soube o motivo.

As Travessuras de Tonhola - Faca de ponta no balanço

Menino quando nasce sapeca e cresce sapeca apronta sempre alguma.
Certa vez Tonhola foi passear numa fazenda com Dona Rica.
Era uma fazenda antiga e sobre um gigante pé de jatobá tinha um balanço de cordas muito alto. O balanço eram duas cordas grossas e uma tábua larga e também grossa com dois furos laterais por onde a corda passava. A tábua era um assento que dava para duas crianças balançarem.
Um rapaz, ajudante na fazenda, ficava por ali cuidando do pomar.
Tonhola chupava umas laranjas descascando com uma faca afiada que lhe arrumaram.
O rapaz, pouco mais velho que Tonhola, se aproximou e perguntou se ele gostaria de brincar no balanço.
Claro! Respondeu, que criança não gosta né?
Sem saber o que fazer com a faca, levou junto e a colocou sobre a tábua e sentou em cima. O rapaz começou empurrando o balanço devagar e aos poucos foi aumentado a força e o menino indo cada vez mais alto.
Tonhola se divertiu e foi gostando mais e rindo alto e pedindo para empurrar cada vez mais alto e a empolgação foi tanta que ele se esqueceu da faca e a faca começou a balançar também e lá pelas tantas numa fatalidade sem explicação que só acontece com crianças sapecas a faca lhe fez com a ponta afiada um estrago na busanfa com um corte pequeno mas profundo que não chegou a sair sangue mas que provocou muita dor e o menino gritava e para para e para e o rapaz ficou muito assustado e tratou de dar logo o pé dali pensando com seus botões que merda era aquela que tinha feito e que aquilo ia acabar sobrando pra ele e que o belo do emprego que seu tio havia lhe conseguido com tanto empenho podia estar indo para as brecas e correu dali e ouviu de longe quando a avó do menino ao ouvir os berros conhecidos foi gritando acudir o neto e que se acalmou quando viu que o estrago não era tão grande assim mas que merecia cuidados e levou o moleque pra dentro e a dona da casa se culpando por ter arrumado aquela faca afiada ao moleque e ao mesmo tempo gritando pelo rapaz que havia se escafedido e também gritando mais alto ainda para ele ouvir você ainda me paga você vai ver quando o meu marido voltar do campo e aos poucos Tonhola foi se acalmando e parou de chorar e sua a avó improvisou um curativo e foram embora mas a cicatriz ficou registrada na busanfa.

As Travessuras de Tonhola - Tacho de doce de leite

Queimadura na barriga e na mão direita, mecha branca no cabelo até os quinze anos. Na fazenda.
Dona Rica era exímia doceira.
Certa vez ela foi convidada a ajudar uma amiga a fazer uns doces por encomenda num sítio.
Tonhola era pequeno ainda por volta dos três anos.
Não tinha crianças na casa.
Enquanto trabalhavam, improvisaram alguns brinquedos para o moleque ir se distraindo na varanda da sala, naquela época não tinha televisão, sobre os olhares atentos da avó, que sabia do neto que tinha, por isso não desgrudava o olho, era um pé no doce e outro no moleque, mas tudo bem ela pensou, ele até que estava comportado naquela manhã.
O doce principal era o de leite e pela quantidade tiveram que improvisar um tacho de cobre enorme na fornalha bruta de tijolos nos fundos, bem ao lado da área de serviço.
Colocaram a lenha no fogo para queimar e o leite caipira a ferver.
Uma estupenda colher de pau, que chamou a atenção do moleque Tonhola na chegada, seria usada no tacho para mexer o doce.
Lá pelas tantas, com o doce pronto, apurando brandamente no resquício de brasa que ainda restava na fornalha, as doceiras se deram por satisfeitas e se distraíram na cozinha com outros afazeres.
Enquanto isso, o menino Tonhola que àquela altura não se aquietava, dava voltas pelo sítio nas proximidades da casa e sua avó gritava, não se afaste muito, cuidado que aí tem formigas e blá, blá, blá, blá, blá, blá.
Tonhola contornou o bosque ralo nos fundos da casa e voltou dando de frente com aquele tacho cheio de doce de leite ainda quente. Deve ter pensado que não faria mal algum ele dar uma provadinha naquilo que devia de estar uma delícia e meteu a mão no doce. Pra quê! Foi um berro só, Dona Rica ouviu o grito e veio apavorada, quando viu do que se tratava gritou meudeus! e apavorada no caminho apanhou de uma toalha de rosto que estava pendurada num varal e já foi logo pegando no braço do moleque e com a força da sacudidela que deu um pedaço de doce quente foi na barriga do menino e outro pedaço não se sabe porque foi parar no couro cabeludo da cabeça e foi um deusnosacuda.

sábado, 15 de junho de 2019

As Travessuras de Tonhola - Camisa Volta ao Mundo

Naqueles anos, os primeiros escolares da vida de Tonhola, era novidade um tecido de nylon para camisas masculinas que acabara de ser lançado.
Tratava-se da camisa "volta ao mundo".
Dona Rica logo ao saber da novidade, providenciou algumas camisas para o neto, pois não queria saber de nada de ficar lavando e passando camisas todos os dias. Aquela era só lavar, botar para secar e já podia ir direto ao corpo, o tecido não amarrotava.
Não amarrotava, mas sujava.
Certo dia, alguns colegas de sala, mais ávidos que nosso amigo, viraram-lhe o cesto de lixo sobre a cabeça.
Aquele cesto, no final da aula, estava cheiro de pontas de lápis de várias cores e de sobras dos apontadores.
Tonhola foi limpar a sujeira e esfregou a mão sobre a camisa. No que tentou limpar, sujou totalmente a camisa, principalmente com grafite.
Ainda bem que a camisa era volta ao mundo.

As Travessuras de Tonhola - Motorista no Cortejo

Tonhola estava aprendendo a dirigir no automóvel do tio.
Que aliás, não tinha muita paciência como instrutor, mas quando ele ia ensinar o filho mais velho, também levava Tonhola para prestar atenção e aprender também.
Assim foi.
Alumas aulas depois, Tonhola já havia dirigido o carro sozinho algumas vezes, sempre com a supervisão do tio é claro. Aconteceu algo inusitado.
Um velório.
Fora uma senhora vizinha e amiga de Dona Rica que veio a falecer. Há tempos ela estava recolhida em tratamento por isso a meninada mais nova nem se deu por conta.
No dia do velório, um vizinho que tinha dois carros, solicitou que Tonhola fosse dirigindo um dos carros no cortejo levando alguns dos parentes e amigos. Tonhola tremeu nas bases com o convite. O tio soube do assunto e veio todo nervoso esbravejando com o sobrinho, achando que partira dele a ideia de conduzir o carro levando aqueles parentes e amigos da falecida.
Tem base! Ele nem queria ir. Deu de ombros.

As Travessuras de Tonhola - Rasteirinhas

Eram muitos os motivos que alguns alunos inventavam para faltar às aulas. No caso das meninas, ir calçando "pé de cachorro" (rasteirinhas) era apenas um deles pois sabiam que não era permitido, mesmo assim iam, pra serem barradas e voltar pra casa e dizer aos pais que não foram aceitas na escola.
Tonhola não era assim, ele ia pra aula de botina e nunca faltava, nem que estivesse doente.
Certa vez, duas meninas do turno da manhã, foram vistas pelo padre diretor saltando o muro. Pra quê? Aquilo deu um quiprocó danado.
O padre esperou o dia do hasteamento da bandeira e após o ato cívico, com a escola reunida, alunos e professores, pediu que todos se mantivessem em seus lugares.
O sermão foi longo, amplo, abrangente, nervoso. Mas ele não citou o nome das meninas.

sábado, 11 de maio de 2019

As Travessuras de Tonhola - O Lamparina

O Lamparina foi atendente do Bar Quitandinha por muitos anos.
Era um moreno forte e troncudo, sua altura ficava entre o anão e um baixinho com menos de um metro e meio de altura.
Gordinho e forte tal um carote.
Que figura!
Tonhola ficou chapa do Lamparina por vários motivos, um deles foi relatado noutro episódio da colher de café, quando o amigo limpou sua barra com o tio.
Bons tempos que ficaram na lembrança de nosso amigo, que apesar da amizade, nunca soube o seu verdadeiro nome.
Muitos anos depois ele soube que o Lamparina havia se mudado para a capital.
O Lamparina será sempre lembrado.

As Travessuras de Tonhola - Aquele bolo de chocolate

A primeira vez que Tonhola viu aquele bolo de chocolate em sua forma redonda de alumínio na vitrine do bar, ficou muito tentado.
Daquela vez ele não tinha dinheiro, observou os clientes pedindo os pedaços e lambeu ao beiços ao ver aqueles deliciosos nacos triangulares delicadamente envoltos nos guardanapos brancos de papel saindo pelas mãos dos felizardos clientes.
O bar servia um daqueles todos os dias pela manhã.
Dos inesquecíveis sabores da infância, aquele bolo de chocolate foi um dos que marcou nosso amigo Tonhola.

As Travessuras de Tonhola - Apenas um Martini

Foi o primeiro pileque de Tonhola.
Na casa do tio, no entusiasmo, um gole daqui, que docinho! e outro dali. E foi outro e outro e mais outro gole daquele bonito Martini Rosé.
Caramba! O estômago do menino deu uma reviravolta.
E dá-lhe vômito!
Para susto de sua tia que não sabia se ria ou se cuidava do menino.

As Travessuras de Tonhola - Etager Preto

Quando viu pela primeira vez, Tonhola ficou impressionado com a imponência daquele móvel todo preto e brilhante.
Muitas gavetas na parte de baixo.
Um aparador no meio com um espelho no fundo.
Nas laterais e em cima uns repartimentos com portinholas de vidro. Tudo muito limpo e brilhante.
As gavetas eram almofadadas, com puxadores metálicos em latão muito bem entalhados.
As bordas de todo o móvel eram emolduradas, com detalhes perfeitos e imponentes.
Muito lindo.
Pra onde terá ido aquele etager preto?

As Travessuras de Tonhola - Noves fora

Tonhola tinha muitas dificuldades quando aprendeu a prova dos noves fora.

Ele ficava intrigado quando ouvia os mais antigos fazerem suas contas e falar muito rapidamente noves fora tanto e esse mais esse e mais esse noves fora tanto, total tanto. Na parte de baixo da adição, a mesma coisa, se o total dos números somados fosse maior que nove, noves fora tanto. A prova dos nove era confirmar se o resultado dos números de cima era o mesmo da doma do total de baixo sempre levando em conta o noves fora.
Caraca! Tão simples!

As Travessuras de Tonhola - Fucinhada

Naquela época os quintais das casas eram grandes e cada qual tinha sua história.
Não faltavam galinhas e porcos em quase todos, era permitido.
Certa vez nosso amigo Tonhola foi com um colega acompanhá-lo no trato das crias.
O cercado improvisado do chiqueiro ficava no fundo do lote e era um amontoado de tabocas de bambu e restos de tábuas de construção amarrados na vertical num emaranhado de arames farpados enferrujados de tal maneira que os porcos ficavam ali presos. Tinha uma porca parida de novo com uma grande ninhada. O menino entrou na frente conversando com o nosso amigo que vinha logo atrás, curioso e dos mais inocentes, sentindo aquele cheiro de porco e sujando os pés naquele piso de porco, tão distraído que não percebeu a fúria da fêmea do cachaço que correu em sua direção. O menino do trato ela já conhecia e estava acostumada, mas o estranho! A porca foi com tudo pra cima e tentou dar-lhe uma bocada na altura da testa, o focinho avantajado e a força descomunal chegou na frente da bocada, nosso amigo foi lançado ao chão de porco. Por muita sorte, pois dizem que tem um Deus separado para as crianças, certamente o de Tonhola estava atento naquele dia e guiou o pai do menino que acompanhava atento da varanda; de lá mesmo ele gritou com a porca que assustada se afastou e deu tempo dele em disparada socorrer o menino todo assustado e lambuzado no chão, sem nenhum arranhão.

Hotel Triângulo

Foi no Hotel Triângulo que saboreei meu primeiro quibe assado com recheio de carne moída e queijo. Hum!!! Até lembro o gosto.
O Hotel ficava no centro, bem pertinho da igreja matriz.
Os viajantes hospedados nos finais de semana eram em sua maioria muito cordiais conosco crianças. Ganhávamos balas, bombons e outros mimos sempre vigiados por nossa zeloza tia.
Mesmo quando presa no quarto aplicando o laquê e dando uns retoques em seu corte de cabelo pigmaleão, ela nos seguia pelos nossos passos acelerados nos corredores e também pela voz. Vez ou outra gritava: não corram nos corredores; não incomodem os hóspedes; fulano! não deixe os meninos fazerem essa algazarra. O tal do fulano, era o sobrinho mais velho, coitada, ele era dos mais atentados e o único que morava no hotel.

O estranho Tonhola

Ele pegou o copo cheio, pouco mais que o meio, daquela água que passarinho não bebe, deixou derramar um pouquinho no chão
resmungando qualquer coisa aos santos para que não lhe faltasse a bebida, e,como num ritual, ergueu o copo e numa só talagada, verteu tudo, fez careta, estalou os dedos da mão direita exclamando que aquela era da boa. Não deu outra, sentou-se com os novos amigos porque sentiu em seu intimo que a prosa ali seria longa.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

O Morro do Além

Por muitas vezes
a tia em que morei,
que com certeza
deve estar num bom lugar,
pedia para levá-la a passear.
Eu espichava a volta
até o Morro do Além.
A gente não tinha nada que fazer lá,
mas eu ia,
só porque era a vista mais bonita da cidade.

Tivica

Uma tia
fez um procedimento
em seu início
que não a deixou mais criar.
Ela ajudou a nos criar.
Um mal agressivo a levou.
Também deve estar num bom lugar.

Professor de engenharia

Tive um professor,
que não era professor,
mas que marcou.
Ele dizia que na vida
ou se é engenheiro,
ou empresário.
Misturar as duas coisas,
tem tudo para dar errado.
Devia tê-lo escutado.

Obra com poesia

Sou engenheiro.
Por toda a vida
quis fazer obras com poesia.
Até que funcionou.
Mais tarde, quando me senti
e me meti a fazer obra por conta,
deu merda.