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domingo, 29 de setembro de 2019

As Travessuras de Tonhola - Água de sola

Naquela ala da fábrica de calçados, trabalhavam seis sapateiros. Cada um tinha sua banca, sua prateleira com os repartimentos de madeira onde ficavam separadas os diferentes tamanhos de pregos ou taxas. Os sapateiros trabalhavam colocando as taxas na boca pra andar mais rápido na prega dos calçados presos em suas formas que eles seguravam firme entre os joelhos. Num dia bom, os melhores sapateiros chegavam a fabricar vinte pares de calçados ao dia, em sua maioria botinas.
Também compunham o arsenal do profissional, um tamborete de madeira feito de tiras de pneu, porque ninguém merece ficar o dia todo sentado trabalhando em cadeira fechada, é preciso ventilação inferior. E outro tamborete no lado oposto, bem de frente ao sapateiro, onde ficava o ajudante, que organizava os calçados no pequeno espaço em forma de meia ferradura, sempre ao alcance das mãos para não perder tempo.

Aqui cabe um capítulo à parte, porque foram muitos os amigos de Tonhola que foram ajudantes de sapateiro no início de suas carreiras como trabalhadores. Ajudantes que não sei porque eram chamados carinhosamente de "ganchos" . Um deles era o seu querido amigo Muamba, como veremos em breve.

O tamborete do sapateiro ficava entre a prateleira e a parede sem espaço justamente para ninguém passar por ali. Era perigoso. O sapateiro trabalhava com faca de sapateiro, ou seja, muito afiada e com ela moldava a sola do calçado à forma, sempre com a forma presa forte ao peito, para não vacilar. Mesmo assim, muitos deles tinham marcas de cortes no peito. Feias cicatrizes. Devido o forte calor, praticamente o ano todo, naquele tempo era permitido, muitos dos trabalhadores não usavam camisas.
Aqui entra o motivo do título desse capítulo.
Cada conjunto desses tinha uma janela de madeira alta, presas em dobradiças que abriam pra cima, para dentro do prédio. Algumas ficavam presas em correntinhas, outras em barbantes e outras eram simplesmente escoradas com algum sarrafo de madeira.
Nessa folha de janela os funcionários dependuravam suas roupas, para a troca no final do expediente.
Essas janelas quase já levaram os funcionários a sérios desentendimentos e até mesmo demissões.
Imaginem só: o cara chega pra trabalhar levando o badeco pra bater o rango na hora do almoço e não perder tempo porque recebe por produção, ou seja, quanto mais calçados ele fizer, mais ele ganha no final de semana, por isso nada de almoçar em casa; daí o cara se lasca o dia todo concentrado nas formas de calçados e no tamborete de tiras de pneu, no final do dia, contente com a produção, organiza tudo, deixa os calçados prontos para a desforma no outro dia pela manhã pra começar tudo de novo. Dá uma lavada, mal lavada no corpo suado num banheiro improvisado e escuro num dos cantinhos onde ficam estocados os materiais. Muitos rolos de solas e vaquetas. Depois sai feliz cheirando a sabonete "primavera" ou "carnaval", volta para sua banca, troca de roupa e quando vai fechar a janela, apressado para chegar em casa e, putz, toma um belo dum banho de água de sola com sua roupa limpinha ao baixar a janela.
Pra quem não sabe, água de sola é a água que colocam couro cru de vaca para amolecer. No outro dia, com o couro mole o utilizam para fazer suador de arreio. São aqueles dois travesseiros, cheios com capim mumbeca que vão na parte de baixo do arreio para apoiar no dorso do animal.
Sentiram o cheiro da água.
Pois é!
Fede pra caramba e a cor da água é realmente de burro fugido.
A sacanagem era colocar um galão de uns três litros, cheio de água se sola em cima da janela de madeira. Ao abrir e ainda olhando para cima para soltar o improvisado fecho o banho era certo.

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